quinta-feira, 26 de abril de 2012

O ÚLTIMO BRINDE

Bebo à casa arruinada,
às dores de minha vida,
à solidão lado a lado

e a ti também eu bebo -

                            aos lábios que me mentiram,
                            ao frio mortal nos olhos,
                            ao mundo rude e brutal
                            e a Deus que não nos salvou

Anna Akhmátova    

quarta-feira, 11 de abril de 2012

O nascimento do Amor

Há muito tempo... na época dos avós de nossos avós
Numa aldeia Kaxinawá no ocidente da Amazônia brasileira
O primeiro homem e a primeira mulher... olharam para o céu.
Olharam... olharam...olharam... e viram... o sol e viram... a lua
Olharam... olharam... olharam e perceberam... o sol e a lua entreolhavam-se.
O primeiro homem e a primeira mulher entreolharam-se...
Com curiosidade...

Era estranho o que tinham entre as pernas...
Olharam-se... olharam-se... olharam-se
O homem perguntou à mulher... te cortaram?
Não... sempre fui assim,
respondeu a mulher.
Ali havia uma chaga aberta!
Então o homem convidou-a a sentar-se.
Não te preocupes
não te preocupes
não te preocupes
eu te curarei... eu te curarei...
não comas mandioca
não comas banana-da-terra
não comas nada que se abra ao amadurecer...
Eu te curarei...

O homem saiu, foi à floresta.
Retornou com umas raízes, uns galhos e uns cipós...
Preparou um ungüento e passou no corpo da mulher.
Não te preocupes
não te preocupes
eu te curarei.

Beijou-a. Saiu. Foi à floresta.
Retornou. Trouxe folhas, ervas e flores.
Preparou um chá e deu para a mulher beber...
Repetia: Não te preocupes
............... não te preocupes
............... eu te curarei.

Saiu. Foi à floresta.
Retornou eufórico, saltitando e gritando.
encontrei! Encontrei!
Acabara de ver um macaco curando a macaca na copa de uma árvore...

Convidou-a para um abraço, dizendo: é assim, é assim...
Abraçou-a fortemente.
Dos corpos entrelaçados exalou um perfume de cipó,
galhos, raízes, folhas, ervas e flores...
Com tal fulgor
Que o sol e a lua
Envergonhados
Esconderam-se... formando o primeiro eclipse...
Mas, o homem e a mulher continuavam abraçados.
É assim... é assim...
Com tal fervor
Que até os deuses
Morreram de vergonha
Mas... o homem e a mulher continuam.
É assim... é assim...



Lenda Kaxinawá, O nascimento do Amor.
Uma das muitas histórias contadas por Francisco Gregório Filho, que, criança, a ouviu de sua avó, e também leu-a escrita por Eduardo Galeano no livro Mulheres.