segunda-feira, 29 de novembro de 2010

XV

Céu muito azul
Garcinha branca voou voou...
Pensou que o lago era lá em cima

Pesa um mormaço Dói a luz nos olhos
Sol parece um espelhinho

Vozes se dissolvem

Passarão sozinho risca a paisagem bojuda


RAUL BOPP -
COBRA NORATO e outros poemas

(fiquei pensando nos muitos dias que eu mal conseguia abrir os olhos, principalmente em março, por causa do sol e do mormaço... )

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

CLIMA-X

Quando, agonizantes, gozamos,

transcedemos

essa história de ser mulher
ou ser marido

É como se você fosse terra
e eu tivesse chovido.

Aldir Blanc

(um dia o Paulo me deu uma agendinha de papel reciclado, onde escreveu na primeira folha esse poema para nós...)

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Brecha

Ás vezes a tarde arrebata
sob picos de frágil crença
meus sonhos, tal qual acrobata,
e meu cérebro só pensa

Fica pesado, torna-se grosseiro
sem humor, lógico e triste,
não quer ser mais marinheiro
e só acredita no que existe

Meu cérebro lógico não tem encantos
Nuvens são nuvens e a rosa é só rosa
Espalha-se por todos os meus cantos
Uma forma fria, rígida e nebulosa

Mas é à noite, enquanto durmo,
embora o racional sempre o persiga,
que um sonho abre o meu futuro
E é só desse modo que vivo na vida.


Jorge Fröes

(com a permissão do autor, eis o poema!)

sábado, 20 de novembro de 2010

Negro

Pesa em teu sangue a voz de ignoradas origens
As florestas guardaram na sombra o segredo da tua história

A tua primeira inscrição em baixo-relevo
foi uma chicotada no lombo

Um dia
atiram-te no bojo de um navio negreiro
e durante noites e noites
vieste escutando o rugido do mar
como um soluço no porão soturno

O mar era um irmão da tua raça

Uma madrugada
baixaram as velas do convés
Havia uma nesga de terra e um porto
Armazéns com depósitos de escravos
e a queixa dos teus irmãos amarrados em coleiras de ferro

Principiou aí a tua história

O resto
a que ficou pra trás
o Congo as florestas e o mar
continuam a doer na corda do urucungo


Raul Bopp,
em Cobra Norato e outros poemas

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Mãe - preta

- Mãe-preta conte uma história
- Então feche os olhos filhinho:

Longe muito longe
era uma vez o rio Congo...

por toda parte o mato grande
Muito sol batia o chão

de noite
chegavam os elefantes
Então o barulho do mato crescia

Quando o rio ficava brabo
inchava

Brigava com as árvores
Carregava com tudo águas abaixo
até chegar na boca do mar

Depois...

Os olhos da preta pararam
Acordaram-se as vozes do sangue
glu-glus de água engasgada
naquele dia de nunca-mais

Era uma praia vazia
com riscos brancos de areia
e batelões carregando escravos

Começou então
uma noite muito comprida
Era um mar que não acabava mais

... depois...

- Ué mãezinha
porque você não conta o resto da história?


raul bopp
em COBRA NORATO e outros poemas