sábado, 28 de fevereiro de 2009

O V I Z I N H O




Mago violino, tu me acompanhas?
Já quanta noite, em urbes estranhas,
falou à minha a tua solidão?
Tocam-te cem, ou uma só mão?

Há sempre, em cada cidade imensa,
os que se perderiam nos rios
se os não salvasse tua presença?
E a mim; que dizem teus sons vadios?

Por que, na alcova junto da minha
sempre há de estar alguém por que ousas
cantar, dizendo: a vìda sòzinha
pesa mais do que tôdas as cousas?




Rainier Maria Rilke . em Poemas e Cartas a um Jovem Poeta.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Meio infantil, mas muito natural

Tinha eu duas asinhas,
Era um leve passarinho,
E até ti, amor, voei.
Ah! São só quimeras minhas:
Aqui fiquei.

Mas no sono voando a ti vou,
Nunca saio de junto de ti,
E o real é meu sonho de então.
Eis que acordo, e comigo onde dou?
Em total solidão.

O sono se vai, ninguém pode evitar.
Por isso eu acordo bem antes do dia,
E embora meu sono tão cedo cessando,
De olhos cerrados até clarear,
Prossigo sonhando.


de uma Antologia da Poesia Inglesa
in "Aula de Canto", Katherine Mansfield.
... Achei tão bonito. O título, tudo! A delicadeza...

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Para Vigo me voy


Vamos a la Conga! Ay Dios!
Vamos que ya suena el bongó

Las maracas suenan ya
Y ya repica el timbal
Mi negra vamos detrás
Porque ya la conga
No vuelve más

Para Vigo me voy
Mi negra dime adiós
Anda bongocero toca ya
Que estoy medio loco por bailar

Para Vigo me voy
Mi negra dime adiós

Que la conga ya se va
Para nunca más volver a sonar
Para Vigo
Para Vigo me voy


(Ernesto Lecuona) - cantada por Compay Segundo.
... se facilitar, um dia para Vigo me voy. E fico por lá. Porque esta é uma cidade que me encantou sobremaneira. Quase uma ilha cheia de verde e mar para todo lado. Um pouco Floripa, um pouco Porto Alegre;
meio Portugal, meio Espanha: isto é Vigo!
foto by maira: Vigo, Espanha.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Hoje é carnaval?

Como me sinto mal aqui! Por que, então, não vou me embora? É tão simples. Sou livre para fazer o que bem entendo... Essa talvez seja a questão: eu bem entendo?
O que procuro, o que quero, o que espero? E o que me prende aqui?
Juro que não sei. A confusão é tamanha que estou enfiada dentro deste apartamento, um calor insuportável de não sei quantos - certamente não menos do que trinta e tantos graus, fazendo nada que preste. Absolutamente. A não ser os melhores bolinhos de batata recheados do mundo. Que eu faço, mas não precisava ter feito. Não nesse calorão desgraçado. Fiz porque não tinha nada para fazer. E queria comê-los com uma cerveja gelada. Comi e bebi. Também queria fazer amor à tarde. Não fiz.

E lá se foi mais uma tarde de domingo - a última das minhas férias inultimente gastas com o meu inutilíssimo querer.
Escuto agora no comecinho da noite a Banda Bardo, uma banda desconhecida por aqui, de música italiana moderna, que amo ouvir(porque tenho um caso de amor incorrigível, há muito tempo, com a língua italiana). Presente do Cesar: o segundo melhor presente do ano que passou. O melhor foi outro CD, também com música italiana, que o Felipe me deu numa das jantas lá em casa. E só é o melhor porque veio antes; e eu ouvi tanto que decorei todas as letras, entraram na minha cabeça de tal modo que eu fico cantarolando e lembrando delas mesmo quando não estou propriamente pensando na música.
É como quando a gente gosta muito de alguém. Quando ama. É assim com tudo que é paixão. Entra no sangue, no cérebro, nas veias. Toma conta. Ah, se todos amores fossem como a música, que mexe, desacomoda, desassossega até, mas só faz bem; deixa feliz.
Às vezes, hoje mesmo com esse calorão a ferver os miolos, eu penso que podia muito bem viver - e viver bem - sem ninguém; quero dizer sem amor. Sem Amor!(sem sexo acho quase impossível - talvez um dia eu chegue a essa perfeição, seria sublimação no meu caso, mas duvido sei bem da minha natureza fraca e terrena.)
Acho que é possível ficar só com a música. Essa eu morria sem. Quero sempre poder ouvir a música de todos que eu gosto, que eu amo: David Bowie, Morrissey, Talking Heads, Chico. E conhecer sempre mais, como essa música da Itália, contemporânea, que os amigos Cesar e Felipe sabiamente me presentearam.
Recebi também no ano que passou um outro presente, este, porém, inesperado e inusitado: um trabalho que me deu muita emoção e prazer, porque tem a ver com outro amor, a Literatura.
Peguei como a um presente a incumbência de organizar e tomar conta, como me aprouver, da biblioteca do Sr. Victor Ávila, pai da minha cunhada Cátia, falecido no inverno passado. Em meio a um sem número de livros encontrei um pequeno tesouro: uma pilha de discos de vinil. Alguns, raros eu creio.

O que importa é que posso ouvir música de todos os lugares a hora que eu quiser. Frank Sinatra, Carlos Gardel, Barbra Streisand ou coisas como um bang bang à italiana. O tema do filme "O dólar furado", por exemplo, "Um violinista no telhado"; ou um chorinho ou uma rumba. Que beleza!
E quando eu tiver vontade, pulo a cerca e vejo um bom filme. Outra paixão.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Un calabrese coi baffi


Alla fine della primavera e in fondo all'isola di Florianopolis, la baia di Matadeiro ci aspettava sotto una pioggia fitta e fina. Siamo arrivati di sera impacchettati in impermeabili di plastica frusciante.
Dopo una cena in un ristorante deserto ad Armação abbiamo passato il ponticello, di cemento e senza alcuna ringhiera, abbiamo seguito la stradina pure di cemento e probabilmente armato, poi abbiamo salito la scala.
Anni addietro il ponticello non c'era e l'unica opzione per raggiungere la spiaggia era rimboccarsi i pantaloni eventuali e mettere i piedoni nell'acqua, i pesci fuggivano disperati, tutte le volte che guadavo il fiume, ma ció era possibile solo quando c'era la bassa marea, allora stavano più attenti.
Da la sopra l'abbiamo ammirata, un po', prima di scendere... come l'avevo rivista tante volte in sogno: ubriacante di bellezza, di passato e, speravo, anche di futuro.
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Abbiamo passato la notte nella prima pousada che abbiamo trovato. mi pareva che nessuno mi avesse riconosciuto, c'erano pochissime persone in giro. Tra noi due c'era un'aria di pace e di allegria e tutto stava andando bene, eravamo stanchi per il viaggio e non ho bevuto nemmeno troppo.


Maurizio Bardoni - L'emigrante alternativo
...é disso que estou precisando, urgentemente, de mar. Amar. De preferência (Ponta das Canas, Matadeiro, Armação, Mole, Lagoinha... qualcuna!) em Floripa. Que saudade!

MENINOS CARVOEIROS

Os meninos carvoeiros
Passam a caminho da cidade.
- Eh, carvoero!
E vão tocando os animais com um relho enorme.

Os burros são magrinhos e velhos.
Cada um leva seis sacos de carvão de lenha.
A aniagem é toda remendada.
Os carvões caem.

(Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe,
[dobrando-se com um gemido.)

- Eh, carvoero!
Só mesmo estas crianças raquíticas
Vão bem com estes burrinhos descadeirados.
A madrugada ingênua parece feita para eles...
Pequenina, ingênua miséria!
Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis!

- Eh, carvoero!

Quando voltam, vêm mordendo num pão encarvoado,
Encarapitados nas alimárias,
Apostando corrida,
Dançando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos,
[desamparados!

Manuel Bandeira (O Ritmo Dissoluto)

Lembrei de uma das leituras que mais me encantou: Germinal.
Me deu vontade de ler outra vez esse romance incrivelmente belo de Émile Zola.




terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

ARTE DE AMAR

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
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As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.


Belo Belo - Manuel Bandeira.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

" Taí "

Pra você gostar de mim
.
"Taí!
Eu fiz tudo pra você gostar de mim
Oh, meu bem, não faz assim comigo, não...
Você tem, você tem que me dar seu coração... "


marchinha gravada por Carmen Miranda, feita por Jaubert de Carvalho e orquestrada por Pixinguinha. "Taí", como ficou conhecida "Pra você gostar de mim" pelo povo, alastrou-se pelos blocos de rua e pelos bailes. Chegou no Carnaval do dia 1º de março de 1930, cantada por milhares de bocas.

In "Uma biografia de Carmen Miranda", por Ruy Castro..
Na minha infância e adolescência eu cantava e pulava essa música nos carnavais de Arroio Grande, interior do Estado, sem nem saber de quem era. Mas eu gostava muito; dessa, e de outras que ficaram conhecidas pela voz da "Pequena Notável". Ah, Lendo a biografia da Carmen, descobri, que ela morava com Aurora no Curvelo (o mesmo do Manuel Bandeira!); devia ser uma casa maravilhosa, frequentada por compositores, onde se respirava música e se comia umas comidas portuguesas. Que bom poder saber dessas vidas.

O desconhecido

Quem é esse que está, sob a lâmpada morta,
Infantil, a chorar debruçado na mesa?
Olá, rapaz, que tens? Conta... Contar conforta.

E em tua boca eu sinto estrangulada,presa,
A confissão que assim, sob a lâmpada morta,
Entre livros, terá mais tristeza, tristeza...

Pões os olhos em mim: pobres olhos molhados
Em que o pranto desceu como que um véu vermelho.
Conta o que tens... Enxuga os olhos desgraçados...
E ele chorava para mim, dentro do espelho.


poema de Ribeiro Couto.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

VIVÊNCIAS (A antiga trinca do Curvelo)

Vai para uns quinze anos escrevi uma crônica sobre a trinca do Curvelo, Curvelo, a Rua do Curvelo, em Santa Teresa, hoje Rua Dias de Barros. Expliquei então que trinca era na linguagem da molecada a baderna dos meninos do bairro e passei em revista alguns dos tipos mais curiosos da malta do Curvelo - Lenine, o menor de todos que, quando batia à minha janela para pedir um níquel e eu não dava, ameaçava esbodegar a minha porta; Antenor, que eu chamava o antena Antenor; Ivã, que apelidei o Terrível, os irmãos Ernâni e Álvaro, os irmãos Piru Maluco, Arlindo e Ademar, os irmãos Culó e Orlando, o Encarnadinho, Juca Mulato e outros. Essa miuçalha vivia batendo bola em frente das minhas janelas, porque só ali, naquele trecho da rua, se praticava a verdadeira democracia, com absoluta liberdade de espatifar as vidraças nas vicissitudes do futebol de calçada... isso enquanto não foi meu vizinho fronteiro o austero Celso Vieira, então secretário da Corte de Apelação. De tempos a tempos a trinca do Curvelo travava lutas homéricas com a trinca do Hermenegildo de Barros, gentinha de morro abaixo, que a outra olhava como maior desprezo.
Escrevendo sobre a velha trinca, arrisquei um prognóstico otimista que deu inteiramente certo. "Os piores malandros da terra", disse: " O microcosmo da política. Salvo o homicídio com premeditação, são capazes de tudo. Mentir é com eles. Contar vantagens, nem se fala.. Valentes até à hora de fugir. A impressão que se tem é que ficando homens vão todos dar em assasssinos, jogadores, passadores de notas falsas... Pois nada disso. Acabam lutando pela vida, só que com saudade do único tempo em que foram verdadeiramente felizes... "
Tal e qual. Mudei-me do Curvelo para a Lapa. Durante alguns anos tive notícias da trinca por Ernâni, que de quinze em quinze dias ia encerar meu apartamento. Mas Ernâni entisicou e morreu. Quando estava nas últimas, mandou-me um recado, pedindo-me que o fosse ver. Fui. Ernâni sofria sem nenhum sentimentalismo. Em certo momento a irmãzinha, um anjo louro, não soube acudir-lhe a tempo com a escarradeira. "Dá um bofetão nessa burra!" gritou o quase moribundo para o irmão Álvaro. A trinca era assim. Dois dias depois morreu.
Perdi o contacto com a trinca. Hoje, passando na Avenida Rio Branco, vi o Álvaro. Álvaro vende bilhetes de loteria e joga futebol. Está com vinte e um anos, não quer saber de casamento. Foi ele que me deu notícias dos companheiros de dez anos atrás.
A única tristeza é a loucura de Lenine (já no tempo do Curvelo sofria de ataques epiléticos).Os outros, porém, prosperaram. Encarnadinho é alfaiate na Lapa; o pretinho Malaca, ajudante de alfaiate; Culó, aviador; Orlando e Rafael, cadetes do exército; Piru Maluco e Arlindo, gráficos; Zeca Mulato foi sapateiro, mas estudou e hoje é datilógrafo; Bacurau é investigador; Ademar, jogador de boxe e de luta livre... Nenhum se perdeu. Nenhum tem nota de culpa na polícia.
Tenho saudades desses meninos. Prestavam-me de vez em quando um servicinho, ao que eu procurava corresponder com fornecer-lhes linha e papel fino para os papagaios. Uma vez por outra um susto - pá!- o impacto da bola "que saia fora pela linha das arquibancadas". Duas vezes, a minha vidraça partida. Raiva, raiva de verdade só me deram uma vez, em que saí de fraque para um casamento. Não vos conto nada: a trinca suspendeu a partida de futebol e começou a gritar: "Seu Manuel Bandeira de fraque! Seu Manuel Bandeira de fraque!" Também foi a última vez que vesti fraque na minha vida. (Flauta de Papel)

Seleta em prosa e verso - Manuel Bandeira
do acervo de Vitor Ávila.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

NOITE

DORMEM os píncaros e os precipícios,
os promontórios e os desfiladeiros,
e todo gênero de répteis
alimentados pela terra negra,
dormem as feras das montanhas
e o povo das abelhas,
dormem os monstros nos abismos
do mar de púrpura:
e dorme a tribo inteira
dos pássaros de longas asas.


Alcmã - Poesia Grega
... Tudo dorme: é noite. Menos eu.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

A GRANDE ARTE

Tenho uma grande arte:

eu firo duramente
aquêles que me ferem.


Arquíloco (de Paros) - Poesia Grega
para Luciano.