quarta-feira, 30 de março de 2011

Pássaros


A casa, construção de palha e ramagem, é muito maior que seu habitante.
Mas erguer a casa, no meio do mato espinhoso, leva apenas um par de semanas. A arte, por sua vez, exige muito tempo de trabalho.
Não existem duas casas iguais. Cada um pinta sua casa como quer, com pintura feita de sementes amassadas, e cada um a decora à sua maneira.Os arredores são cercados com tesouros arrancados da montanha ou do lixo de alguma cidade vizinha: as pedrinhas, as flores, os cascos dos caracóis, as ervas e os musgos se colocam buscando harmonia; e as tampas de garrafas de cerveja e os pedacinhos de vidros coloridos, de preferência azuis, desenham anéis ou leques no chão. As coisas vão mudando mil vezes de lugar, até encontrar o melhor para receber a luz de cada dia.
Não é à toa que esses pássaros são chamados de caseirinhos. Eles são os arquitetos mais alegres de todas as ilhas da Oceania.
Quando conclui a criação de sua casa e de seu jardim, cada pássaro espera. Espera, cantando, que passem as pássaras. E que uma delas detenha seu voo e veja sua obra. E o escolha.

in Bocas do Tempo, Eduardo Galeano

(para o Paulo: a tatoo.)

domingo, 27 de março de 2011

angústia

saudade da filha que mora longe
de outra, não tão longe
e da que mora perto.
saudade, até, de quem está ao meu lado.

acho que é a chuva,
ou o verão que passou.

domingo, 20 de março de 2011

Um pequeno rei

Foi assim que eu vi o Akin: um reizinho!
De sorriso meigo e olhar profundo, cabelos crespos ornando a cabecinha bonita, reina soberano junto aos pais, avó, tio.
Contei uns segredos para ele, no meu colo, e ele, como se entendesse tudo, cresceu o sorriso.
(Oxalá que esse segredo, sonho e desejo se realize; e não demore. )

terça-feira, 8 de março de 2011

VER E OUVIR, SEM BRINCAR

" Ninguém pergunta mais:
- Você vai brincar no carnaval?
Brincar, irmão, quem pode brincar
se perdida foi a idéia de brinquedo?
Alguns ainda perguntam:
- Como é? Vai pular no carnaval?..."


carlos drummond de andrade
(fragmento)

À NOITE

A música no jardim
tinha dor inexplicável.
Um cheiro de maresia
vinha das ostras no gelo.

Ele disse: " Sou fiel!"
e tocou-me no vestido.
Tão diverso de um abraço
era o toque dessas mãos.

Como quem acaricia
um gato ou um passarinho,
sorria, com os olhos calmos,
sob o ouro das pestanas.

A voz triste dos violinos
cantava, em meio à névoa:
" Dá graças a Deus que enfim
está a sós com o amado".


anna akhmátova
- no dia da mulher -