Deixou quando morto
mais ou menos isto:
um chapéu preto, roto
dois tocos de cigarro
e um resto de bengala.
Um certo ar de outro
um par de sapatos
a casaca, um lenço
e o sorriso triste
da alma de seu rosto.
(Carlos Rodrigues Brandão - in Os nomes.)
Li hoje pela manhã.
Achei tão bonito...
terça-feira, 28 de abril de 2009
domingo, 26 de abril de 2009
CORAÇÃO NUMEROSO
Foi no Rio.
Eu passava na Avenida quase meia-noite.
Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.
Havia a promessa do mar
e bondes tilintavam,
abafando o calor
que soprava no vento
e o vento vinha de Minas.
Meus paralíticos sonhos desgosto de viver
(a vida para mim é vontade de morrer)
faziam de mim homem-realejo impertubavelmente
na Galeria Cruzeiro quente quente
e como não conhecia ninguém a não ser o doce vento mineiro,
nenhuma vontade de beber, eu disse: Acabemos com isso.
Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas
autos abertos correndo caminho do mar
voluptuosidade errante do calor
mil presentes da vida aos homens indiferentes,
que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.
O mar batia em meu peito, já não batia no cais.
A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu
a cidade sou eu
sou eu a cidade
meu amor.
Carlos Drummond de Andrade - In Poesia Completa
...............................................................
(para o Paulo).
Eu passava na Avenida quase meia-noite.
Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.
Havia a promessa do mar
e bondes tilintavam,
abafando o calor
que soprava no vento
e o vento vinha de Minas.
Meus paralíticos sonhos desgosto de viver
(a vida para mim é vontade de morrer)
faziam de mim homem-realejo impertubavelmente
na Galeria Cruzeiro quente quente
e como não conhecia ninguém a não ser o doce vento mineiro,
nenhuma vontade de beber, eu disse: Acabemos com isso.
Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas
autos abertos correndo caminho do mar
voluptuosidade errante do calor
mil presentes da vida aos homens indiferentes,
que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.
O mar batia em meu peito, já não batia no cais.
A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu
a cidade sou eu
sou eu a cidade
meu amor.
Carlos Drummond de Andrade - In Poesia Completa
...............................................................
(para o Paulo).
POEMA QUE ACONTECEU
Nenhum desejo neste domingo
nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem começo.
A mão que escreve este poema
não sabe que está escrevendo
mas é possível que se soubesse
nem ligasse.
Carlos Drummond de Andrade - in Poesia Completa
nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem começo.
A mão que escreve este poema
não sabe que está escrevendo
mas é possível que se soubesse
nem ligasse.
Carlos Drummond de Andrade - in Poesia Completa
quarta-feira, 15 de abril de 2009
Para pintar o retrato de um pássaro
Primeiro pintar uma gaiola
com a porta aberta
pintar depois
algo de lindo
algo de simples
algo de belo
algo de útil
para o pássaro
depois dependurar a tela numa árvore
num jardim
num bosque
ou numa floresta
esconder-se atrás da árvore
sem nada dizer
sem se mexer...
Às vezes o pássaro chega logo
mas pode ser também que leve muitos anos
para se decidir
Não perder a esperança
esperar
esperar se preciso durante anos
a pressa ou a lentidão da chegada do pássaro
nada tendo a ver
com o sucesso do quadro
Quando o pássaro chegar
se chegar
guardar o mais profundo silêncio
esperar que o pássaro entre na gaiola
e quando já estiver lá dentro
fechar lentamente a porta com o pincel
depois
apagar uma a uma todas as grades
tendo o cuidado de não tocar numa única pena do pássaro
Fazer depois o desenho da árvore
escolhendo o mais belo galho
para o pássaro
pintar também a folhagem verde e a frescura do vento
a poeira do sol
e o barulho dos insetos pelo capim no calor do verão
e depois esperar que o pássaro queira cantar
Se o pássaro não cantar
mau sinal
sinal de que o quadro é ruim
mas se cantar bom sinal
sinal de que pode assiná-lo
Então você arranca delicadamente
uma das penas do pássaro
e escreve seu nome num canto do quadro.
Jacques Prévert - Poemas, in POESIA DE TODOS OS TEMPOS
Pena, não fui eu que escrevi...
Gostaria que a Paula, minha sobrinha que gosta de pintar, lesse esse poema hoje no dia de seu aniversário.
Felicidades Paulinha!
com a porta aberta
pintar depois
algo de lindo
algo de simples
algo de belo
algo de útil
para o pássaro
depois dependurar a tela numa árvore
num jardim
num bosque
ou numa floresta
esconder-se atrás da árvore
sem nada dizer
sem se mexer...
Às vezes o pássaro chega logo
mas pode ser também que leve muitos anos
para se decidir
Não perder a esperança
esperar
esperar se preciso durante anos
a pressa ou a lentidão da chegada do pássaro
nada tendo a ver
com o sucesso do quadro
Quando o pássaro chegar
se chegar
guardar o mais profundo silêncio
esperar que o pássaro entre na gaiola
e quando já estiver lá dentro
fechar lentamente a porta com o pincel
depois
apagar uma a uma todas as grades
tendo o cuidado de não tocar numa única pena do pássaro
Fazer depois o desenho da árvore
escolhendo o mais belo galho
para o pássaro
pintar também a folhagem verde e a frescura do vento
a poeira do sol
e o barulho dos insetos pelo capim no calor do verão
e depois esperar que o pássaro queira cantar
Se o pássaro não cantar
mau sinal
sinal de que o quadro é ruim
mas se cantar bom sinal
sinal de que pode assiná-lo
Então você arranca delicadamente
uma das penas do pássaro
e escreve seu nome num canto do quadro.
Jacques Prévert - Poemas, in POESIA DE TODOS OS TEMPOS
Pena, não fui eu que escrevi...
Gostaria que a Paula, minha sobrinha que gosta de pintar, lesse esse poema hoje no dia de seu aniversário.
Felicidades Paulinha!
terça-feira, 14 de abril de 2009
Cem anos de vida
Dona Edite ou Vó Didi de Ponta das Canas, segundo um neto seu, cujo nome não me lembro, tem a pressão sanguínea de uma menina e vai durar um outro tanto: o que quer dizer duzentos anos. Oxalá
segunda-feira, 6 de abril de 2009
As histórias de Elis
Conheci a Elis há pouco mais de um mês. Trabalhamos na mesma escola num bairro da periferia - não da Freguesia do Ó - de freguesia bem carente.
Tirando o nome, Elis Regina, nada me chamava a atenção nela: cheinha e com um certo ar de bem aventurança, próprios de quem não se importa com uns quilinhos a mais.
Pensava que era mais uma, entre tantas, professoras mal remuneradas, com turmas superlotadas, cujo trabalho não é valorizado e por esses motivos e tantos outros, na maioria das vezes desgosta do que faz. Assim pensava até o dia que fui ajudá-la com uma tal de Prova Brasil - uma série de perguntas que seus alunos de segundo ano teriam que responder numa espécie de livreto.
Ela, a Professora Elis, me surpreendeu já na condução da tal prova: apresentou-a de tal modo às crianças que ficou mais parecendo uma brincadeira. Falou para a gurizada que eles iriam, naquela tarde, fazer algo diferente: escreveriam num livro - Que beleza! - cada um as suas respostas.
Ah! E para completar ela ainda contaria uma história!
Os pequenos exultaram e a Elis, nesse momento, se transformou, se encheu de graça.
À medida que ela contava eu me encantava... Os alunos mal respiravam, mas quando a professora colocava as duas mãos próximas à boca e, como se fosse um segredo e um privilégio, dava aquela risada de lobo só para eles, aí respondiam da melhor forma rindo a não poder mais. No final, me ganhou de fã: foi a melhor contadora de histórias infantis que já vi.
Perguntei, outro dia, à Elis de onde ela tirava tanto jeito para contar histórias; se ela havia feito algum curso de teatro... " Meu pai era um exímio contador de histórias!", me disse orgulhosa. E começou a me contar uma que gostava de ouvir.
Se eu deixasse ela ainda estaria me contando suas histórias, porque Elis tem uma vitalidade de fazer inveja a qualquer um.
Tirando o nome, Elis Regina, nada me chamava a atenção nela: cheinha e com um certo ar de bem aventurança, próprios de quem não se importa com uns quilinhos a mais.
Pensava que era mais uma, entre tantas, professoras mal remuneradas, com turmas superlotadas, cujo trabalho não é valorizado e por esses motivos e tantos outros, na maioria das vezes desgosta do que faz. Assim pensava até o dia que fui ajudá-la com uma tal de Prova Brasil - uma série de perguntas que seus alunos de segundo ano teriam que responder numa espécie de livreto.
Ela, a Professora Elis, me surpreendeu já na condução da tal prova: apresentou-a de tal modo às crianças que ficou mais parecendo uma brincadeira. Falou para a gurizada que eles iriam, naquela tarde, fazer algo diferente: escreveriam num livro - Que beleza! - cada um as suas respostas.
Ah! E para completar ela ainda contaria uma história!
Os pequenos exultaram e a Elis, nesse momento, se transformou, se encheu de graça.
À medida que ela contava eu me encantava... Os alunos mal respiravam, mas quando a professora colocava as duas mãos próximas à boca e, como se fosse um segredo e um privilégio, dava aquela risada de lobo só para eles, aí respondiam da melhor forma rindo a não poder mais. No final, me ganhou de fã: foi a melhor contadora de histórias infantis que já vi.
Perguntei, outro dia, à Elis de onde ela tirava tanto jeito para contar histórias; se ela havia feito algum curso de teatro... " Meu pai era um exímio contador de histórias!", me disse orgulhosa. E começou a me contar uma que gostava de ouvir.
Se eu deixasse ela ainda estaria me contando suas histórias, porque Elis tem uma vitalidade de fazer inveja a qualquer um.
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