"Os primeiros dias nos pareceram penosos porque ambos havíamos deixado na parte tomada muitas coisa que queríamos. Meus livros de literatura francesa, por exemplo, estavam todos na biblioteca. Irene sentia falta de umas toalhas, um par de chinelas que a abrigavam muito no inverno. Eu sentia falta do meu cachimbo de zimbro e acho que Irene pensou em um vidro de hesperidina de muitos anos. Com freqüência (mas isto somente aconteceu nos primeiros dias) fechávamos alguma gaveta das cômodas e nos olhávamos com tristeza.
- Não está aqui.
E era mais uma coisa de tudo o que havíamos perdido no outro lado da casa.
Mas também tivemos vantagens. A limpeza se simplificou tanto que ainda que nos levantássemos muito tarde, às nove e meia por exemplo, não eram onze e já estávamos de braços cruzados. Irene se acostumou a ir comigo à cozinha e a me ajudar a preparar o almoço. Pensamos bem , e decidimos isto: enquanto eu fazia o almoço, Irene prepararia pratos frios para a noite. Alegramo-nos porque sempre se torna incomodo ter de abandonar os quartos ao entardecer e pôr-se a cozinhar. Agora nos bastavam a mesa no quarto de Irene e as travessas de comida fria...
Estávamos bem, e pouco a pouco começávamos a não pensar. Pode-se viver sem pensar."
fragmento do conto CASA TOMADA, Júlio Cortázar.
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