segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Tubarão com a faca nas costas







Duas vezes apontei uma faca para alguém. A primeira, lembro-me nítido, foi na madrugada em que o Brasil jogou contra a Inglaterra, pelas quartas de finais da Copa do Mundo de 2002. Quando abri a porta de casa. embriagado de cuba libre e cerveja, meu pai, com uma cara que não consigo descrever, disse: "estamos sendo assaltados". O ladrão, sujeito grande, mas vesgo de drogado, decidiu pegar o que já estava à mão e sair por onde entrei. Depressa fui à cozinha, apanhei da gaveta uma faca e corri escada abaixo atrás dele. Não foi difícil de alcançar: ele estava atrapalhado com a bolsa de viagem numa das mãos e o aparelho de som na outra. Apontei-lhe a faca sei lá com que intenção; para não ser pego, ele jogou em cima de mim o que pretendia roubar e saiu correndo rumo à escuridão de uma ruazinha próxima.
Mesmo voltando para casa com todas as coisas que o ladrão quisera levar quase intactas ( o aparelho de som estava um pouco avariado), fiquei assustado com a possibilidade de esfaqueá-lo. Lembro que pensei em como teria me sentido se tivesse, realmente, furado aquele sujeito. "Mal", foi a resposta que me dei. Porque não faz parte da minha índole tal gesto.
Porém, esses dias apontei de novo uma faca para alguém. Na verdade, para um cachorro. Mas chamo-o "alguém" porque ajudei a criá-lo. Trata-se do Shark, o bull terrier da filha da minha namorada. Ele, que sempre foi dócil enquanto filhote, de uns meses para cá, mesmo me vendo com bastante frequência, vinha se mostrando agressivo, rosnava e até tencionou me morder algumas vezes.
Foi por um descuido - ele deveria estar sempre preso - que o bicho entrou na cozinha, onde me encontrava tomando café, e se pôs a rosnar do meu lado e a investir contra mim, quase me mordendo o rosto e arranhando-me nos braços e costas. Depois, quando finalmente consegui ficar de pé, ele parou na minha frente, latindo com ferocidade e querendo me morder. Então, vi em cima da mesa uma faca, pequena, dessas que usamos para empurrar a comida para cima do garfo. E para a minha tristeza, a dele e a da minha namorada, não só apontei-lhe a dita. Como ele veio para cima de mim com patas e dentes, cravei-a em seu cangote.
Não gostei nada de ter feito isso, mas na hora não consegui pensar noutra coisa. Pobre bicho. Com a lâmina inteira cravada em sua carne, acalmou-se e foi choramingando para baixo da mesa. Logo depois voltou para o quintal, de onde não deveria ter saído.
Agora ele está bem. A lâmina, retirada pelas mãos bondosas da minha namorada, não perfurou nenhum órgão vital nem lhe rompeu qualquer importante veia. Mas o dia, esse ficou capenga, esquisito. E tínhamos acordado com o espírito preparado para a comilança, para a música e para as boas risadas que um sábado agradável pede.

do livro Tubarão com a faca nas costas, Cezar Dias.

Um comentário:

Daniel disse...

Ei! você é namorada do Cezar dias? Se for diga a ele que li seu livro! E foi muito legal! Queria escrever isso aqui pra ele:

Ei homem!

Dias atraz Lí seu livro, ele tá lá na biblioteca da minha escola, e qualquer um que quiser tem acesso a ele. Posso dizer que o seu livro fez ficar em mim algo de bom. Acho que não sou de guardar tudo no coração,então se algumas crônicas desse livro ficaram no meu coração é porque as achei legais! Nas segundas fico com algumas crianças, aqui ou acolá reparto com elas aquilo que tenho de valor, tipo compartilhar um pedaço de pão na hora de fome. Isso pra mim tem sido bom, onde elas vivem é uma favela e sinto que aquilo que divido com elas vai ser importante hoge e sempre. Reparto versiculos biblicos, historias infantis e também minhas historias de criança. Ei cara e pra num sair do assunto um dia desses levei teu livro pra lá, mostrei pra algumas delas, se não me engano, o livro e o texto em que tu fala de tua mãe, texto para uma saudade. E o fruto disso é que uma delas se interessou, gostou e alugou o livro na biblioteca de sua escola. E assim como eu! Algo de bom ficou no coração dela também! Sempre no final de minhas segundas com as crianças, sinto aquela sensação celeste de: Missão cumprida! Sinto isso quando caminho para casa! E essa é a sensação que te desejo cara! Missão cumprida! Por acrescentar algo de bom através de seu pequeno livro ao coração de gente comum!

Deus abençõe com seus tesouros escondidos.

Ei Maira Deus abençõe tbm!