deu cria
a borboleta em mim.
obra do César,
da arte do César de Cesaro.
che di una sempleci farfalla
ha fatto tre belle farfalle
num passe de mágica
de cor. E de amor.
Grazzie mille Cesar, pela beleza.
Valeu a pena a dor a entrega.
sábado, 29 de novembro de 2008
sexta-feira, 28 de novembro de 2008
BARROW-ON-FURNESS
I
Sou vil, sou reles, como toda a gente,
Não tenho ideais, mas não os tem ninguém.
Quem diz que os tem é como eu, mas mente.
Quem diz que busca é porque não os tem.
É com a imaginação que eu amo o bem.
Meu baixo ser porém não mo consente.
Passo, fantasma do meu ser presente,
Ébrio, por intervalos, de um Além.
Como todos não creio no que creio.
Talvez possa morrer por esse ideal.
Mas, enquanto não morro, falo e leio.
Justificar-me? Sou quem todos são...
Modificar-me? Para meu igual?...
- Acaba lá com isso, ó coração!
Fernando Pessoa - Poema de Álvaro de Campos
Sou vil, sou reles, como toda a gente,
Não tenho ideais, mas não os tem ninguém.
Quem diz que os tem é como eu, mas mente.
Quem diz que busca é porque não os tem.
É com a imaginação que eu amo o bem.
Meu baixo ser porém não mo consente.
Passo, fantasma do meu ser presente,
Ébrio, por intervalos, de um Além.
Como todos não creio no que creio.
Talvez possa morrer por esse ideal.
Mas, enquanto não morro, falo e leio.
Justificar-me? Sou quem todos são...
Modificar-me? Para meu igual?...
- Acaba lá com isso, ó coração!
Fernando Pessoa - Poema de Álvaro de Campos
JUSTIFICATIVA
Volto correndo - intrigando alguns, para o ônibus do qual havia saído.
"É o boné, senhora?", me indaga uma mulher.
"Sim", respondi afoita.
(A mulher aponta em direção à roleta.)
Ao cobrador, digo: "O boné!". Ele me entrega - todo amarfanhado! - e eu tomo nas duas mãos o pequeno objeto.
"Era de estimação", justifiquei.
(Ganhei de uma filha: cinza de um lado, onça pintada do outro, o boné de pano.)
Me sentindo já com o dia ganho, entro, enfim, no trem. O trabalho me espera, à hora marcada.
"É o boné, senhora?", me indaga uma mulher.
"Sim", respondi afoita.
(A mulher aponta em direção à roleta.)
Ao cobrador, digo: "O boné!". Ele me entrega - todo amarfanhado! - e eu tomo nas duas mãos o pequeno objeto.
"Era de estimação", justifiquei.
(Ganhei de uma filha: cinza de um lado, onça pintada do outro, o boné de pano.)
Me sentindo já com o dia ganho, entro, enfim, no trem. O trabalho me espera, à hora marcada.
segunda-feira, 24 de novembro de 2008
angel
Lí uma crônica do Rubem Braga, "Neide", que confirma a existência de alguns anjos no céu; e diz também que tudo passa e depois de um certo tempo anjos não existem mais, nem no céu nem na terra.
Não sei se por bondade, intuição ou inteligência, mas que os anjos existem, existem. Não há dúvida: às vezes disfarçados, a gente nem percebe.
Convivo com a Fabiana todos os dias, das seis e pouco às dez, faz já uns bons anos. Ela é supervisora na Escola Santo Inácio, onde trabalho à noite. Faz aniversário exatamente no mesmo dia que eu; tem covinhas no rosto, corpo bonito, cabelos longos, grandes e sagazes olhos escuros.
Não sei se por bondade, intuição ou inteligência, mas que os anjos existem, existem. Não há dúvida: às vezes disfarçados, a gente nem percebe.
Convivo com a Fabiana todos os dias, das seis e pouco às dez, faz já uns bons anos. Ela é supervisora na Escola Santo Inácio, onde trabalho à noite. Faz aniversário exatamente no mesmo dia que eu; tem covinhas no rosto, corpo bonito, cabelos longos, grandes e sagazes olhos escuros.
Não havia percebido mas ela tem vocação para anjo. Ou agente secreto, depende da leitura que se faz. Para mim tem mais a ver com anjo porque salvou, não sei de que tragédia, dois desconhecidos.
Sexta passada ela pegou carona comigo para a cidade vizinha, Canoas, onde mora. Vinhamos no meu carro por uma avenida movimentada, a Claret, quando Fabiana, com seus olhos de águia, viu através do filme escuro que proteje os vidros de alguns carros que algo anormal, estranho mesmo, estava acontecendo dentro daquele Vectra metálico. Suspeitou da postura dos dois ocupantes do banco de trás - que eram na verdade três, estranhou o modo com o condutor do veículo a olhou: estava era pedindo socorro com os olhos! Fabiana percebendo a situação falou: "tem coisa errada", e repetiu, " tem coisa errada aí".
Lembrou do capitão Bento, chefe da polícia local, que volta e meia vai ao Santo Inácio porque a violência também anda solta por lá. Ligou para ele, que prontamente passou um rádio para a viatura mais próxima, que por sua vez interceptou o dito carro. Não deu outra. Ela estava certa: era um sequestro e os marginais tencionavam ir para a casa do casal.
Ao serem abordados pela polícia, homem e mulher agradeceram comovidos ao anjo que os tinha salvado.
Pelo telefone a mulher disse, chorando, à Fabiana que só pensava nas crianças que estavam em casa.
.
texto by maira dilli
foto: Anjo renascentista numa esquina do Campi di Fiori em Roma, by maira.
sábado, 22 de novembro de 2008
A outra noite
Outro dia fui a São Paulo e resolvi voltar à noite, uma noite de vento sul e chuva, tanto lá como aqui. Quando vinha para casa de táxi encontrei um amigo e o trouxe até Copacabana; e contei a ele que lá em cima, além das nuvens, estava um luar lindo, de Lua cheia; e que as nuvens feias que cobriam a cidade eram, vistas de cima, enluaradas, colchões de sonho, alvas, uma paisagem irreal.
Depois que o meu amigo desceu do carro, o chofer aproveitou um sinal fechado para voltar-se para mim:
-O senhor vai desculpar, eu estava aqui a ouvir sua conversa. Mas, tem mesmo luar lá em cima?
Confirmei: sim, acima da nossa noite preta e enlamaçada e torpe havia uma outra - pura, perfeita e linda.
- Mas, que coisa...
Ele chegou a pôr a cabeça fora do carro para olhar o céu fechado de chuva. Depois continuou guiando mais lentamente. Não sei se sonhava em ser aviador ou pensava em outra coisa.
- Ora, sim senhor...
E, quando saltei e paguei a corrida, ele me disse um "boa noite"e um "muito obrigado ao senhor" tão sinceros, tão veementes, com se eu lhe tivesse feito um presente de rei.
crônica do Rubem Braga.
...às vezes sinto vontade de escrever o nome deste escritor Rubem Braga, com letras garrafais e seria pouco.
Como eu gosto do que ele escreve! É com alma sempre e é por isso que tudo que ele escreveu é muito bonito.
É assim que eu escrevo que eu gosto de escrever: com alma. Só assim. Seria pretensão demais ser um pouquinho parecida com ele com o RUBEM BRAGA?! Acho que sim!
Ah! e eu sei bem o que são estes céus vistos de cima: ví um em Buenos Aires que parecia todo feito de pipocas branquinhas e fofas, recém-estouradas.
Depois que o meu amigo desceu do carro, o chofer aproveitou um sinal fechado para voltar-se para mim:
-O senhor vai desculpar, eu estava aqui a ouvir sua conversa. Mas, tem mesmo luar lá em cima?
Confirmei: sim, acima da nossa noite preta e enlamaçada e torpe havia uma outra - pura, perfeita e linda.
- Mas, que coisa...
Ele chegou a pôr a cabeça fora do carro para olhar o céu fechado de chuva. Depois continuou guiando mais lentamente. Não sei se sonhava em ser aviador ou pensava em outra coisa.
- Ora, sim senhor...
E, quando saltei e paguei a corrida, ele me disse um "boa noite"e um "muito obrigado ao senhor" tão sinceros, tão veementes, com se eu lhe tivesse feito um presente de rei.
crônica do Rubem Braga.
...às vezes sinto vontade de escrever o nome deste escritor Rubem Braga, com letras garrafais e seria pouco.
Como eu gosto do que ele escreve! É com alma sempre e é por isso que tudo que ele escreveu é muito bonito.
É assim que eu escrevo que eu gosto de escrever: com alma. Só assim. Seria pretensão demais ser um pouquinho parecida com ele com o RUBEM BRAGA?! Acho que sim!
Ah! e eu sei bem o que são estes céus vistos de cima: ví um em Buenos Aires que parecia todo feito de pipocas branquinhas e fofas, recém-estouradas.
quinta-feira, 20 de novembro de 2008
summer time
alguém canta para mim.
Quem será o cantor negro
(abençoado por deus)?
Não importa
a vida me leva
ao som de um jazz.
by maira dilli - numa sexta no bar Odeon
Quem será o cantor negro
(abençoado por deus)?
Não importa
a vida me leva
ao som de um jazz.
by maira dilli - numa sexta no bar Odeon
"Essa porra tava fechada e eu passo onde eu quiser,caralho!"
Essa frase foi dita por um sujeito de uns 50 e poucos anos com uma boina de feltro meio pro lado meio malandro meio dono do mundo em meio a um trânsito caótico às 6 horas de uma tarde cheia de sol na avenida de acesso a uma cidadezinha da grande porto alegre. A porra fechada era a sinaleira e esse cara tão cheio de si quase foi atropelado – não sei bem quem quase atropelou quem , se o pedestre ou o cara da moto – por um simples motoqueiro nem um pouco dono do mundo, talvez nem da própria moto. “ Tu não podes passar por aqui!”, ele disse bem assustado, e a resposta aos berros foi a frase título. Tão alta que de dentro do carro com o som ligado eu ouvi. Ouvi também porque estou sempre ligada nessas pequenas coisas: crianças pessoas pivetes rua trem barco flor. Essa frase dita assim me fez pensar que eu me ligo nas coisas erradas. E meus olhos que estavam bem secos se encheram de água. Me lembrei que este ano tive que aprender a segurar as lágrimas dentro dos olhos. Tive também a experiência do atropelo com aviso de frente em cheio: perda total que seguro nenhum cobre. Perdi a felicidade de um dia para o outro simplesmente por ser assim desligada. Muitas vezes depois do acidente indo de carro por esta estrada de Cachoeirinha esburacada e um tanto bucólica com o morro lindo, do Chapéu de Sapucaia lá ao longe, pensei que se viesse um carro - um caminhão na contra mão não ia ser tão ruim.
Bem, o homem da boina o dono do mundo o que passa onde quer quase se fudeu. E, quanto a mim, passados alguns meses já penso que a perda afinal não foi tão grande.
quarta-feira, 19 de novembro de 2008
IRONIA
De cima abaixo a lâmina brilhante
da vidraça estalou. E o vidro agora
fendido ao meio, espia o céu cá fora,
fendido ao meio, espia o céu cá fora,
com o olhar perdido em dois, pisco, hesitante...
Não sei o que secreto e lancinante
ali se esconde, - alma talvez que chora
e num esgar se estorce aflita,
e num esgar se estorce aflita,
embora a serena aparência do semblante.
.
Brinca-lhe o sol à face, a aura lhe adeja,
e o vidro, sem que alguém lhe ouça um gemido
ou o sofrer recôndito lhe veja,
e o vidro, sem que alguém lhe ouça um gemido
ou o sofrer recôndito lhe veja,
mudo, irônico, frio e incompreendido,
cortando anavalhado a luz que o beija,
parece estar-se a rir de estar ferido.
Alberto de Oliveira - 1927
Poesia Parnasiana, Antologia
Poesia Parnasiana, Antologia
segunda-feira, 17 de novembro de 2008
O OPERÁRIO NO MAR
Na rua passa um operário. Como vai firme! Não tem blusa. No conto, no drama, no discurso político, a dor do operário está na sua blusa azul, de pano grosso, nas mãos grossas, nos pés enormes, nos desconfortos enormes. Esse é um homem comum, apenas mais escuro que os outros, e com uma significação estranha no corpo, que carrega desígnios e segredos. Para onde vai ele, pisando assim tão firme? Não sei. A fábrica ficou lá atrás. Adiante é só o campo, com algumas árvores, o grande anúncio de gasolina americana e os fios, os fios, os fios. O operário não lhe sobra tempo de perceber que eles levam e trazem mensagens, que contam da Rússia, do Araguaia, dos Estados Unidos. Não ouve, na Câmara dos Deputados, o líder oposicionista vociferando. Caminha no campo e apenas repara que ali corre água, que mais adiante faz calor. Para onde vai o operário? Teria vergonha de chamá-lo meu irmão. Ele sabe que não é, nunca foi meu irmão, que não nos entenderemos nunca. E me despreza... Ou talvez seja eu próprio que me despreze a seus olhos. Tenho vergonha e vontade de encará-lo: uma fascinação quase me obriga a pular a janela, a cair em frente dele, sustar-lhe a marcha, pelo menos implorar-lhe que suste a marcha. Agora está caminhando no mar. Eu pensava que isso fosse privilégio de alguns santos e de navios. Mas não há nenhuma santidade no operário, e não vejo rodas nem hélices no seu corpo, aparentemente banal. Sinto que o mar se acovardou e deixou-o passar. Onde estão nossos exércitos que não impediram o milagre? Mas agora vejo que o operário está cansado e que se molhou, não muito, mas se molhou, e peixes escorrem de suas mãos. Vejo-o que se volta e me dirige um sorriso úmido. A palidez e confusão de seu rosto são a própria tarde que se decompõe. Daqui a um minuto será noite e estaremos irremediavelmente separados pelas circunstâncias atmosféricas, eu em terra firme, ele no meio do mar. Único e precário agente de ligação entre nós, seu sorriso cada vez mais frio atravessa as grandes massas líquidas, choca-se contra as formações salinas, as fortalezas da costa, as medusas, atravessa tudo e vem beijar-me o rosto, trazer-me uma esperança de compreensão. Sim, quem sabe se um dia o compreenderei?
Carlos Drummond de Andrade/ Poesia Completa (Sentimento do Mundo)
... este texto que não sei bem como definir- crônica conto ou poesia, me emociona. Também não sei bem por que. Talvez por causa do operário. Do desconforto dele, do ser mais escuro dele ou porque ele não sabe nada, mas sabe que ali corre água e lá faz calor. Sabe também pegar peixe com a mão e anda por sobre o mar. Ou é a triste esperança de compreensão.
Carlos Drummond de Andrade/ Poesia Completa (Sentimento do Mundo)
... este texto que não sei bem como definir- crônica conto ou poesia, me emociona. Também não sei bem por que. Talvez por causa do operário. Do desconforto dele, do ser mais escuro dele ou porque ele não sabe nada, mas sabe que ali corre água e lá faz calor. Sabe também pegar peixe com a mão e anda por sobre o mar. Ou é a triste esperança de compreensão.
sábado, 15 de novembro de 2008
OFICINA IRRITADA
Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.
Quero que meu soneto, no futuro.
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.
Esse meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.
Ninguém o lembrará: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.
Carlos Drummond de Andrade - Poesia Completa (Claro Enigma)
... eu disse que era difícil escolher!
Não costumo gostar das rimas,
mas estas me agradaram em cheio...
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.
Quero que meu soneto, no futuro.
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.
Esse meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.
Ninguém o lembrará: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.
Carlos Drummond de Andrade - Poesia Completa (Claro Enigma)
... eu disse que era difícil escolher!
Não costumo gostar das rimas,
mas estas me agradaram em cheio...
sexta-feira, 14 de novembro de 2008
SEGREDO
A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.
Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.
Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.
Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.
Carlos Drummond de Andrade - Poesia Completa ( Brejo das Almas)
Ganhei, ganhado mesmo do MEC, este livro em 2005 na Feira do Livro.
...é difícil abrir a Poesia Completa do Drummond e escolher uma única poesia.
A gente lê uma e gosta,
lê outra e gosta mais. Outra, mais ainda, e aí se perde de amor!
Fique torto no seu canto.
Não ame.
Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.
Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.
Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.
Carlos Drummond de Andrade - Poesia Completa ( Brejo das Almas)
Ganhei, ganhado mesmo do MEC, este livro em 2005 na Feira do Livro.
...é difícil abrir a Poesia Completa do Drummond e escolher uma única poesia.
A gente lê uma e gosta,
lê outra e gosta mais. Outra, mais ainda, e aí se perde de amor!
quinta-feira, 13 de novembro de 2008
Um barco
Tenho tido dores de cabeça constantes. Penso que é por causa do sono - durmo muito pouco ultimamente (todo ano!) - ou porque as palavras, muitas vezes, querem sair do meu pensamento para o papel e nem sempre é possível escrevê-las: de pé no trem, por exemplo.
Fico com medo de perder o fio; de esquecer.
Mas eu queria mesmo era falar dos barcos. Três vezes por dia olho os barcos atracados às margens do Guaíba. Alguns estão há anos ali, no mesmissímo lugar.
Mas eu queria mesmo era falar dos barcos. Três vezes por dia olho os barcos atracados às margens do Guaíba. Alguns estão há anos ali, no mesmissímo lugar.
Esses dias dei falta de um: o Laranjal. (Gostava especialmente desse por motivos do coração.) Procurei por ele ontem de manhã bem cedo, ao meio dia e à tarde. Acho que é aquele enferrujado e já sem identidade que está quase sucumbindo ao rio.
O Guaíba servirá de cemitério ao Laranjal!
Ainda bem que existem outros laranjais. Não barcos: Praia. Pomar.
by maira dilli
liberto ontem no trem
by maira dilli
liberto ontem no trem
quarta-feira, 12 de novembro de 2008
Flor-de-maio
Entre tantas notícias do jornal - o crime do Sacopã, o disco voador em Bagé, a nova droga antituberculosa, o andaime que caiu, o homem que matou outro com machado e com foice, o possível aumento do pão, a angústia dos Barnabés - há uma pequena nota de três linhas, que nem todos os jornais publicaram.
Não vem do gabinete do prefeito para explicar a falta d'água, nem do Ministério da Guerra para insinuar que o país está em paz. Não conta incidentes de fronteira nem desastre de avião. É assinada pelo senhor diretor do Jardim Botânico, e nos informa gravemente que a partir do dia 27 vale a pena visitar o Jardim, porque a planta chamada "flor-de-maio" está, efetivamente, em flor.
Meu primeiro movimento, ao ler esse delicado convite, foi deixar a mesa de redação e me dirigir ao Jardim Botânico, contemplar a flor e cumprimentar a administração do horto pelo feliz evento. Mas havia ainda muita coisa para ler e escrever, telefonemas a dar, providências a tomar. Agora, já desce a noite, e as plantas em flor devem ser vistas pela manhã ou à tarde, quando há sol - ou mesmo quando a chuva as despenca e elas soluçam no vento, e choram gotas e flores no chão.
Suspiro e digo comigo mesmo - que amanhã acordarei cedo e irei. Digo, mas não acredito, ou pelo menos desconfio que esse impulso que tive ao ler a notícia ficará no que foi - um impulso de fazer uma coisa boa e simples, que se perde no meio da pressa e da inquietação dos minutos que voam. Qualquer uma destas tardes é possível que me dê vontade real, imperiosa, de ir ao Jardim Botânico, mas então será tarde, não haverá mais "flor-de-maio", e então pensarei que é preciso esperar a vinda de outro outono, e no outro outono posso estar em outra cidade em que não haja outono em maio, e sem outono em maio não sei se em alguma cidade haverá essa "flor-de-maio".
No fundo, a minha secreta esperança é de que estas linhas sejam lidas por alguém - uma pessoa melhor do que eu, alguma criatura correta e simples que tire desta crônica a sua única substância, a informação precisa e preciosa: do dia 27 em diante as "flores-de-maio" do Jardim Botânicoestão gloriosamente em flor. E que utilize essa informação saindo de casa e indo diretamente ao Jardim Botânico ver a "flor-de-maio"- talvez com a mulher e as crianças, talvez com a namorada, talvez só.
Ir só, no fim da tarde, ver a "flor-de-maio"; aproveitar a única notícia boa de um dia inteiro de jornal, fazer a coisa mais bela e emocionante de um dia inteiro da cidade imensa. Se entre vós houver essa criatura, e ela souber por mim a notícia, e for, então eu vos direi que nem tudo está perdido, e que vale a pena viver entre tantos sacopãs de paixões desgraçadas e tantas COFAPs de preços irritantes; que a humanidade possivelmente ainda poderá ser salva, e que às vezes ainda vale a pena escrever uma crônica.
crônica de Rubem Braga.
Porque sempre vale a pena escrever( e, quando se tem ou não este dom, ler) uma boa crônica. Para avisar que as flores-de-maio estão em flor ou para, simplesmente, contar uma história. De um cão, de uma borboleta amarela ou de outra cor, de um velho caido, de um barco sem nome, de um amor. Ou de mirtas moréias lobélias ericas buganvílias heras: Flores de todo o ano.
Não vem do gabinete do prefeito para explicar a falta d'água, nem do Ministério da Guerra para insinuar que o país está em paz. Não conta incidentes de fronteira nem desastre de avião. É assinada pelo senhor diretor do Jardim Botânico, e nos informa gravemente que a partir do dia 27 vale a pena visitar o Jardim, porque a planta chamada "flor-de-maio" está, efetivamente, em flor.
Meu primeiro movimento, ao ler esse delicado convite, foi deixar a mesa de redação e me dirigir ao Jardim Botânico, contemplar a flor e cumprimentar a administração do horto pelo feliz evento. Mas havia ainda muita coisa para ler e escrever, telefonemas a dar, providências a tomar. Agora, já desce a noite, e as plantas em flor devem ser vistas pela manhã ou à tarde, quando há sol - ou mesmo quando a chuva as despenca e elas soluçam no vento, e choram gotas e flores no chão.
Suspiro e digo comigo mesmo - que amanhã acordarei cedo e irei. Digo, mas não acredito, ou pelo menos desconfio que esse impulso que tive ao ler a notícia ficará no que foi - um impulso de fazer uma coisa boa e simples, que se perde no meio da pressa e da inquietação dos minutos que voam. Qualquer uma destas tardes é possível que me dê vontade real, imperiosa, de ir ao Jardim Botânico, mas então será tarde, não haverá mais "flor-de-maio", e então pensarei que é preciso esperar a vinda de outro outono, e no outro outono posso estar em outra cidade em que não haja outono em maio, e sem outono em maio não sei se em alguma cidade haverá essa "flor-de-maio".
No fundo, a minha secreta esperança é de que estas linhas sejam lidas por alguém - uma pessoa melhor do que eu, alguma criatura correta e simples que tire desta crônica a sua única substância, a informação precisa e preciosa: do dia 27 em diante as "flores-de-maio" do Jardim Botânicoestão gloriosamente em flor. E que utilize essa informação saindo de casa e indo diretamente ao Jardim Botânico ver a "flor-de-maio"- talvez com a mulher e as crianças, talvez com a namorada, talvez só.
Ir só, no fim da tarde, ver a "flor-de-maio"; aproveitar a única notícia boa de um dia inteiro de jornal, fazer a coisa mais bela e emocionante de um dia inteiro da cidade imensa. Se entre vós houver essa criatura, e ela souber por mim a notícia, e for, então eu vos direi que nem tudo está perdido, e que vale a pena viver entre tantos sacopãs de paixões desgraçadas e tantas COFAPs de preços irritantes; que a humanidade possivelmente ainda poderá ser salva, e que às vezes ainda vale a pena escrever uma crônica.
crônica de Rubem Braga.
Porque sempre vale a pena escrever( e, quando se tem ou não este dom, ler) uma boa crônica. Para avisar que as flores-de-maio estão em flor ou para, simplesmente, contar uma história. De um cão, de uma borboleta amarela ou de outra cor, de um velho caido, de um barco sem nome, de um amor. Ou de mirtas moréias lobélias ericas buganvílias heras: Flores de todo o ano.
foto by Caroli - aqui eu estou em Barcelona nas Las Ramblas, uma das avenidas mais conhecidas do mundo, com uma flor que adoro por ser extremamente delicada: a flor do pessegueiro.
terça-feira, 11 de novembro de 2008
Ode ao Odeon
Sugeri ao Fernando que patenteasse a idéia de ir ao Odeon nas terças. Parece bobagem mas não é. Parece simples e é: uma simples idéia brilhante. Quando é que alguém inventou algo que antecipasse o fim de semana, deixando a segunda com cara de sexta. Ou dividisse a semana – não na quarta - dia clássico do sofá, mas na terça. Quando é que alguém diminui algum calvário e antecipa o prazer?
Antes dessa invenção eu odiava segunda, era o pior dia da semana. Agora não!
Hoje é segunda, que bom, é véspera de terça, e amanhã tem Odeon. Tem tango. Tem o bandoneon do seu Rafael: mágico. E Paulo Pinheiro no piano. Tem encontro com velhos e novos amigos, tem bate-papo, tem risada e, é claro, o chopinho. Tudo saudável, na medida, porque amanhã é quarta, dia de batente.
Tudo isso é obra do meu amigo Fernando, que instituiu parada obrigatória, terça no Odeon.
É claro que se pudéssemos iríamos todo santo dia no Odeon, para louvar além do Tango, o Chorinho - a flauta do Plauto - o Jazz e a Música Popular Brasileira.
É claro que se pudéssemos iríamos todo santo dia no Odeon, para louvar além do Tango, o Chorinho - a flauta do Plauto - o Jazz e a Música Popular Brasileira.
by maira dilli. Escrito em 29.09.2008
é óbvio que este texto é para o Fernando. Déia e Felipe, e Geli amigos de sempre
e para todos que quiserem o melhor tango e o melhor jazz. E a melhor almondega.
segunda-feira, 10 de novembro de 2008
THE RAVEN
"Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary,
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore-
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping.
As of some opne gently rapping, rapping at my chamber door.
"Tis some visitor", I muttered, "tapping at my chamber door-
Only this and nothing more."
Ah, distinctly I remember it was in the bleak December,
And each separate dying ember wrought its ghost upon the floor.
Eagerly I wished the morrow; - vainly I had sought to borrow
From my books surcease of sorrow - sorrow for the lost Lenore-
For the rare and radiant maiden whom the angels name Lenore-
Nameless here for evermore."
fragmento do poema de Edgar Allan Poe " The Raven"
Li duas traduções para o português. Esta é perfeita porque é a mais bela.
Absurdamente bela. E não tinha como não ser.
O CORVO
Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências anscestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais".
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda noite aos livros dada
Pra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo,
"'E uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais".
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, öu senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo
por meus umbrais,
Que mal ouvi..."E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os njnguém sonhou iguais.
mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse os meus ais.
Isto só e nada mais.
Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
É o vento, e nada mais".
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar sereno e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais.
Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.
"Disse o corvo, "Nunca mais".
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais.
Com o nome "Nunca mais".
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigos, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais"
Disse o corvo, "Nunca mais".
A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas suas vozes usuais.
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rançade seu canto cheio de ais
Era este "Nunca mais".
Mas, fazendo ainda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais;
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele "Nunca mais".
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!
Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais.
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, 'profeta - ou demônio ou ave preta -!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ânsia e mêdo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
'Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta - !,
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais,
Dize a esta alma entritecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!
"Disse o corvo, "Nunca mais".
"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo", eu disse. "Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!
"Disse o corvo, "Nunca mais".
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha dor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra que no chão mais e mais.
E a minh'alma dessa sombra que no chão há mais e masi,
Libertar-se-á... nunca mais!
tradução Fernando Pessoa.
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore-
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping.
As of some opne gently rapping, rapping at my chamber door.
"Tis some visitor", I muttered, "tapping at my chamber door-
Only this and nothing more."
Ah, distinctly I remember it was in the bleak December,
And each separate dying ember wrought its ghost upon the floor.
Eagerly I wished the morrow; - vainly I had sought to borrow
From my books surcease of sorrow - sorrow for the lost Lenore-
For the rare and radiant maiden whom the angels name Lenore-
Nameless here for evermore."
fragmento do poema de Edgar Allan Poe " The Raven"
Li duas traduções para o português. Esta é perfeita porque é a mais bela.
Absurdamente bela. E não tinha como não ser.
O CORVO
Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências anscestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais".
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda noite aos livros dada
Pra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo,
"'E uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais".
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, öu senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo
por meus umbrais,
Que mal ouvi..."E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os njnguém sonhou iguais.
mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse os meus ais.
Isto só e nada mais.
Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
É o vento, e nada mais".
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar sereno e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais.
Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.
"Disse o corvo, "Nunca mais".
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais.
Com o nome "Nunca mais".
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigos, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais"
Disse o corvo, "Nunca mais".
A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas suas vozes usuais.
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rançade seu canto cheio de ais
Era este "Nunca mais".
Mas, fazendo ainda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais;
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele "Nunca mais".
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!
Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais.
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, 'profeta - ou demônio ou ave preta -!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ânsia e mêdo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
'Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta - !,
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais,
Dize a esta alma entritecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!
"Disse o corvo, "Nunca mais".
"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo", eu disse. "Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!
"Disse o corvo, "Nunca mais".
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha dor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra que no chão mais e mais.
E a minh'alma dessa sombra que no chão há mais e masi,
Libertar-se-á... nunca mais!
tradução Fernando Pessoa.
domingo, 9 de novembro de 2008
TE DOY LA VIDA
Te doy la vida porque mi vida es tuya
te entrego el alma sedienta de ilusión
no dudes nunca que muero por quererte
te doy la vida, te doy el corazón
Y cuando dueño sea de la ilusión que siento
unidos encontraremos la dicha y el placer
juntitos vivireos, juntitos moriremos
unidas las dos almas formando un solo ser
El amor de las mujeres no tiene comparación
no tiene, no tiene, no tiene comparación
El amor de las mujeres no tiene comparación.
letra de Francisco Repilado Muñoz (Compay Segundo) e Lorenzo Hierrezuelo
Adoro esse Compay Segundo e a música cubana e tinha curiosidade em saber o porquê desse nome.
Um amigo cantor me disse que ele cantava com um compadre e que fazia a segunda voz.
Não era exatamente assim .
Descobri que ele nasceu Francisco Repilado em Siboney uma pequena comunidade encravada na região oriental de Cuba.
Lá a língua se modificou e se tornou mais intensa, os compadres se chamam compay o que não é uma mera troca: a palavra compay simboliza amizade lealdade compromisso. É uma filosofia de vida que Compay Segundo, dizem, soube levar em sua vida e em suas canções. Nas " noches santiagueras" conheceu um mito da música, Miguel Matamoros, que vinte anos depois o convida para participar de seu conjunto Los Compadres onde Compay faz um duo com Lorenzo Hierrezuelo. Foi então que Repilado trocou de nome, Lorenzo fazia a primeira voz e ele a segunda, com essas inflexões graves e perfeitas: Compay Segundo!
te entrego el alma sedienta de ilusión
no dudes nunca que muero por quererte
te doy la vida, te doy el corazón
Y cuando dueño sea de la ilusión que siento
unidos encontraremos la dicha y el placer
juntitos vivireos, juntitos moriremos
unidas las dos almas formando un solo ser
El amor de las mujeres no tiene comparación
no tiene, no tiene, no tiene comparación
El amor de las mujeres no tiene comparación.
letra de Francisco Repilado Muñoz (Compay Segundo) e Lorenzo Hierrezuelo
Adoro esse Compay Segundo e a música cubana e tinha curiosidade em saber o porquê desse nome.
Um amigo cantor me disse que ele cantava com um compadre e que fazia a segunda voz.
Não era exatamente assim .
Descobri que ele nasceu Francisco Repilado em Siboney uma pequena comunidade encravada na região oriental de Cuba.
Lá a língua se modificou e se tornou mais intensa, os compadres se chamam compay o que não é uma mera troca: a palavra compay simboliza amizade lealdade compromisso. É uma filosofia de vida que Compay Segundo, dizem, soube levar em sua vida e em suas canções. Nas " noches santiagueras" conheceu um mito da música, Miguel Matamoros, que vinte anos depois o convida para participar de seu conjunto Los Compadres onde Compay faz um duo com Lorenzo Hierrezuelo. Foi então que Repilado trocou de nome, Lorenzo fazia a primeira voz e ele a segunda, com essas inflexões graves e perfeitas: Compay Segundo!
terça-feira, 4 de novembro de 2008
Dramática gramática
Doer: verbo intransitivo.
Forma infinitiva impessoal.
Mas doer, dói, disse.
E chorou.
Uma dor própria, também infinitiva.
mini conto de Fernando Neubarth
em Contos comprimidos. PoA 2008.
"Como a minha: Essa dor que me acorda no meio da noite e me faz gritar de susto.
Susto de não tê-lo ao alcance da minha mão".
Forma infinitiva impessoal.
Mas doer, dói, disse.
E chorou.
Uma dor própria, também infinitiva.
mini conto de Fernando Neubarth
em Contos comprimidos. PoA 2008.
"Como a minha: Essa dor que me acorda no meio da noite e me faz gritar de susto.
Susto de não tê-lo ao alcance da minha mão".
domingo, 2 de novembro de 2008
in memória
Acordei hoje, segundo dia do mês de novembro, pensando em escrever algo para homenagear os mortos. Pensei no meu pai, mas ele está há trinta e oito anos semprevivo dentro de mim, com sua lavoura, sua preocupação com o tempo - sempre a indagar o céu com seus olhos azuis: "será que chove?" - sua horta, os bichos que criava, os torresmos, as compotas.
Me veio à lembrança, dona Jandir(a) e ela está mais viva do que nunca aqui: não esqueço do jeito que ela dizia, ao Paulo, "meu filho!", parecia que o " meu" era mais dela do que qualquer outro, e o filho também. Ela enchia a boca (e o coração) quando falava com o filho e as filhas, numa mostra constante do seu amor por eles.
Às vezes sobrava um pouco para mim, e eu aceitava contente aquele carinho de sogra ( mãe!).
Lembrei da minha avó Santa e do meu avô de Jesus, Silvino que nunca morrerram: tiveram quinze filhos. Ele ajudou no parto de boa parte deles. Pai de todos.
Depois de tantos partos virou parteiro. Parteiro, ferreiro, marceneiro, construtor, espírita e médico - até da alma - meu avô. Um dia veio se tratar com ele uma moça que sofria de tristeza: não havia depressão naquele tempo, nem psicólogo (não lá, naquele lugarejo perdido perto de nada!).
Meu avô ganhava tantos presentes quanto um médico, antigamente, nas cidades do interior... E a casa, esta vivia cheia de parentes e de gente vinda de todos os cantos.
Voltando aos meus mortos, eles não existem: todos estão bem vivos, tão vivos que enchem o meu peito de lembranças.
Tinha também a vó Otilia, a nona, e as fornadas e fornadas de cucas que ela deixava expostas em longas mesas feito obras de arte. Douradas de pêssego, açúcar e canela.
by maira dilli
porto alegre 2 de novembro de 2008
Tinha também a vó Otilia, a nona, e as fornadas e fornadas de cucas que ela deixava expostas em longas mesas feito obras de arte. Douradas de pêssego, açúcar e canela.
by maira dilli
porto alegre 2 de novembro de 2008
sábado, 1 de novembro de 2008
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