segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Inimigo

Vou brigar contigo.
Vou apanhar e vou sangrar
mas vou brigar.
Tenho de lutar contigo, tenho
de gritar bem alto nomes feios
que sobem à garganta.
Eles crescerão no ar da rua,
subirão às sacadas dos sobrados
e todos ouvirão.
Fui quem disse. O magricela. O triste.

Tenho de brigar,
rolar no chão contigo, intimamente
abraçados na raiva. Tenho de
a pontapé ferir o teu escroto.
Pouco importa me batas pelo dobro.
Pouco importa me arrases. Meu irmão
não chamo a socorrer-me. Quero ser
o perdedor que ganha de seu medo.

Carlos Drummond de Andrade, in Poesia Completa (BOITEMPO)
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(é isso que eu quero, quase sempre)

sábado, 29 de agosto de 2009

caroline (de porto alegre)


No dia 29 de agosto eu ganhava minha primeira filha, há trinta anos atrás.
Gosto dessa palavra "ganhar" para se referir a filhos; aliás ganhar, quase sempre é bom, filhos, especialmente: são presentes para se amar a vida inteira. E cuidar, mesmo de longe. Querer todo o bem e felicidade possíveis nesse mundo.
Parece que foi ontem, a Caroli pequena, a Caroli recém-nascida, a Caroli falando e rindo sem parar: arteira como ela só!
Domingo passado ficamos, eu a Camila e a Renata, ouvindo uma fita com as vozinhas delas, crianças (da Renata era um balbuciar; a Caroli até cantar, cantou). Me deu uma saudade das três pequenas.
Da Caroli, tenho saudade orgulho admiração.
Queria muito estar com ela, hoje, nesse dia tão importante: estou no pensamento (num abraço).
Ela continua arteira (brejeira) e leva a vida bem vivida em Madri.
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Feliz Aniversário! Felice Compleanno! Feliz Cumpleaños!
Continua com o sorriso e a morenice que eu pedi a Deus quando tu ainda estavas na minha barriga.
foto: eu e a caroli no aeroporto de madrid, 2008.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Raíz à mostra
de dente dói
De árvore também

Alma exposta vira poesia.

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maira dilli

terça-feira, 25 de agosto de 2009

ouvidos de ver

Existem pessoas cuja única, ou melhor, forma de ver é ouvir: aquele que eu amo ajuda, com sua voz e sensibilidade, pessoas a ver, ouvindo.
(Podem essas pessoas, através da voz bonita dele, verem peças de teatro inteiras; e filmes também.)
Se eu tivesse só ouvidos para sentir - e mais nada - , talvez ainda pudesse ser feliz.
Porque ele, ainda hoje, me diz coisas impressionantes (e lindas) de se ouvir.

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(para o Paulo)

quarta-feira, 19 de agosto de 2009


"Tu é a única pessoa que me tira a sensação de ser só no mundo: tu entendes isso?"


(dentro de uma garrafa em uma praia não sei aonde. Quem sabe Floripa.)

Esse Mar de Lagoinha

Ah, esse mar
me desconcentra, distrai
tenta. Quis ler,
e ele ali na minha frente
- provocante -
depois de tanto tempo

Não leio,
nem tão pouco escrevo: culpa desse mar
de Lagoinha!

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Floripa, verão de abril 2009


"No entanto não me dá sossego
saber que sós ou juntos somos uma só coisa."

"Eppure non mi dà riposo
sapere che in uno o in due noi siamo una sola cosa."

Eugenio Montale, in POESIAS

terça-feira, 18 de agosto de 2009

IL SOGNO DEL PRIGIONIERO

"L'attesa è lunga,
e il mio sogno di te non è finito."


Eugenio Montale, in POESIAS (fragmento)
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(A espera é longa, e o meu sonho de ti não tem fim.)

domingo, 16 de agosto de 2009

alguns dias

que quatro dias horríveis, que vazio
QUE DOR (esta cidade!)
porque será que alguns dias são assim?

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Cárcere I

É claro, como a água mais pura, que te odeio - com a mesma intensidade que eu te amo.
Como poderia não te odiar se tu me condenastes à noites e noites de frio - onde as cobertas só pesam e não aquecem.
Fui condenada, logo por ti, à solidão de amor: à falta perene!(Que era o que eu menos queria e merecia na vida!)
Como não te odiar se tu amenizastes a tua pena à custa da minha dor (da alegria, do sono, da paz perdidos)
Olha: bebi um pouco
Tinha uns quatro me querendo
E eu, um só
O tango do Seu Rafael ainda soa dentro dos meus ouvidos
Te odeio ainda mais quando escuto tango,
te amo muito mais quando tango
Odeio ir para a cama sem tango (isso não se faz!)
E o tango toca - dilacerando - dentro e fora de mim: Piazzola!
É claro que odeio tango que amo que odeio amoodeioamo
Odeio! É claro.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

California

"Guardami ora e dimmi cosa vedi
non è tutto passato
ma il sogno che interrompi non sarà più uguale
quasi senza le stelle
forse è più bello navigare
non c' è niente di perso e che non possa continuare
Siamo noi la california
siamo noi la libertà..."

Gianna Nanini
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(Não há nada de perdido que não possa continuar...)

sábado, 8 de agosto de 2009

Pare Olhe Pense







Queria ser uma pedra,
dessas daqui do Capão do leão,
ou um trilho do trem
Seria um registro em fotos
uma lembrança num canto
E dor nenhuma

Queria ser a umidade cerrada,
meio chuva, meio gelo,
de uma noite em Pelotas
Seria risada à mesa de um bar
Em julho - ou outubro -
nas ruas estreitas (a felicidade)
E dor nenhuma

Queria ser o pinheiro mais alto,
o tambo do leite
a estrada de chão
(e a velha estação abandonada)
Seria só uma lembrança

Queria ser a própria pedreira
(das pedras de cidades tantas, rio grandes,
brasílias; molhes, outros ares).

Seria, então, concreta. Sem dor.
(a não ser que houvesse a dos pedaços arrancados.)

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Maira, Capão do leão.





sexta-feira, 7 de agosto de 2009

VOU ANDAR POR AÍ


VOU ANDAR POR AÍ
PERGUNTAR POR AÍ
PRA VER SE EU ENCONTRO A PAZ QUE PERDI

(Newton Chaves)
no CD "Fascinação".
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(vou para o meio das pedras amanhã;
te levo junto, e por todo o canto que eu andar.)

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Ato falho que deu certo

Olhando a galeria de fotos do meu celular, às três da manhã, aperto sem perceber uma tecla errada.
Um pouco mais tarde, antes de dormir, abro o celular: o teu sorrizão e os teus olhos doces (eram doces!) me sorriem.
Durmo sorrindo para o teu sorriso, é inevitável.
Hoje, depois do café, troquei o papel de parede.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Luz da Lua


Pego uma maçã, sento na rua e olho pro céu: a lua está bem pequena e corre ligeira por entre as nuvens.
Me recosto melhor na cadeira; as nuvens parecem leite talhado no céu.
Olho a lua e ela de repente se agiganta atrás de uma nuvem redonda: fica quase um sol. Eu acho graça.
Fico viajando no céu do meu quintal - uma banda de rock, o Talking Heads, canta no meu ouvido e dança na minha cabeça - enquanto devoro a maçã.
(Não sei se se pode chamar de quintal esse pátio pequeno nos fundos da minha casa: tem bananeira, bergamota, bambú e manjericão. Será que dá para chamar de quintal?).
Não preciso de controle remoto algum para mudar o céu. Em um minuto ele se torna suave, esmaecido como uma aquarela.
Quase me deito na cadeira; penso na vida, no absurdo da vida: penso no Paulo, e ele está tão longe. (Sinto uma falta dele!)
Olho outra vez para o céu e vejo que as nuvens mudaram outra vez. Agora estão compactas, maiores e mais escuras.
E a lua?
A Lua, num clarão, brilha amarela e linda no céu. Sorrio triste.
Enxergo bem aqui fora com a luz da lua. Lá dentro, à luz ruim das lâmpadas fluorescentes, enxergo mal - me incomoda o nevoeiro das cataratas.
Saudade do tempo que eu era só míope e o Paulo me levava pela mão.

(para quem quiser saber de mim: como podem ver, vejo cada vez menos)

terça-feira, 4 de agosto de 2009

ESTOU RECLINADO na poltrona, é tarde, o Verão
apagou-se...
Nem sonho, nem cismo, um torpor alastra em meu
cérebro...
Não existe manhã para o meu torpor nesta hora...
Ontem foi um mau sonho que alguém teve por
mim...
Há uma interrupção lateral na minha consciência...
Continuam encostadas as portas da janela desta
tarde
Apesar de as janelas estarem abertas de par em par...
Sigo sem atenção as minhas sensações sem nexo,
E a personalidade que tenho está entre o corpo e a
alma...

Quem dera que houvesse
Um terceiro estado pra alma, se ela tiver só dois...
Um quarto estado pra alma, se são três os que ela
tem...
A impossibilidade de tudo quanto eu nem chego a
sonhar
Dói-me por detrás das costas da minha consciência
de sentir...
As naus seguiram,
Seguiram viagem não sei em que dia escondido,
E a rota que deviam seguir estava escrita nos ritmos,
Os ritmos perdidos das canções mortas do
marinheiro de sonho...

fragmento do poema "A Casa Branca Nau Preta", Álvaro de Campos.
(eu adoro. Acho lindo demais! Amo esse poema e esse Fernando Pessoa!)

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

A MISÉRIA do meu ser,
Do ser que tenho a viver,
Tornou-se uma coisa vista.
Sou nesta vida um qualquer
Que roda fora da pista.

Ninguém conhece quem sou.
Nem eu mesmo me conheço,
E, se me conheço, esqueço,
Porque não vivo onde estou.
Rodo, e o meu rodar apresso.

É uma carreira invisível,
Salvo onde caio e sou visto,
Porque cair é sensível
Pelo ruído imprevisto...
Sou assim. Mas isto é crível?

1033 - Fernando Pessoa
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(assim me sinto, muitas vezes,
vivendo onde não estou - com quem não me vê.
Às vezes caio, e me dou conta de mim
Porque me doem os joelhos,
ou os cotovelos,
Ou outra parte de mim!)

domingo, 2 de agosto de 2009

MEU CORAÇÃO, isto é, minha cabeça
(Porque não há sentir no coração)
Bate assustado, bate mal, depressa.
Sinto depressa e sinto em vão.

Sei bem: ternura do que nunca foi,
Saudades de um futuro a não haver -
Por tudo isto bate, que lhe dói
Na cabeça, que é o seu ser.

Porque não aprender com a verdade?
Se a cabeça é que sente, o pensamento
Pode bem ser o sentimento que há-de
Livrar-me do meu sentimento.


Fernando Pessoa
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(para o meu amor.)
CAI AMPLO O FRIO e eu durmo na tardança
De adormecer -
Sou, sem lar, nem conforto, nem esperança,
Nem desejo de os ter.

E um choro por meu ser me inunda
A imaginação.
Saudade vaga, anônima, profunda,
Náusea da indecisão.

Frio do inverno duro, não te tira
Agasalho ou amor.
Dentro em meus ossos teu tremor delira.
Cessa, seja eu quem for!


Fernando Pessoa

sábado, 1 de agosto de 2009

Confidência


"Se nesta continuada confidência
muito falei de amor, perdoai, senhores.
Somente sei falar dos meus amores."

Odylo Costa Filho. In, Boca da Noite.