De quem, de quem o filho
de Sofia?
Do relojoeiro?
Do dentista?
Do primo Augusto?
Do promotor?
Do telegrafista?
Do cabo-comandante
do destacamento?
De um dos praças?
Do padre apóstata?
Quem é o pai, quem é o pai
noturnamente encapuzado
(sequer tem rosto)
do filho anônimo de Sofia?
Nenhum deles visto rondadndo
de Sofia o muro solteiro,
nenhum abrindo de madrugada
a cancela rouca de Sofia.
O pai quem é?
Sofia semilouca de raça ilustre
vai contar quem dormiu
em seu quarto seco de solteirona
e secamente lhe fez o filho?
Vai inventar talvez um pai
que jamais a tenha tocado?
Já se apavoraram os homens bons
com a denúncia?
Ninguém confessa ter conhecido
Sofia em fogo ou violentada,
Sofia pura,
Sofia aberta
ao prazer esperado amargamente?
Ou dormiram todos com Sofia
(o que é mesmo que não dormir),
ninguém tem culpa,
ninguém é o pai?
Pai do menino é a cidade?
A loucura é pai do menino?
O menino nasceu do absurdo
propósito de nascer-se, escolheu
o ventre de Sofia como se escolhesse
vaso sem semente, apenas terra?
Sofia não responde. Ri baixinho,
acaricia o pinto do menino,
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
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(Um dos melhores??!!! Se ele tivesse escrito só esse poema, só esse - só por esse - já seria o maior e o melhor poeta do mundo! Ele e o Fernando Pessoa.)
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