quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

MEMÓRIA PRÉVIA

O menino pensativo
junto à água da Penha
mira o futuro
em que se refletira na água da Penha
este instante imaturo.

Seu olhar parado é pleno
de coisas que passam
antes de passar
e ressuscitam
no tempo duplo
da exumação.

O que ele vê
vai existir na medida
em que nada existe de tocável
e por isto se chama
absoluto.

Viver é saudade
prévia.


drummond.
(para ti meu amor passado presente futuro)

sábado, 18 de dezembro de 2010


" - Escute - disse ela.
- O que é?
- Hesitou:
- Mais tarde, prometo que mais tarde hei de tentar me desprender de você. Mas isso não deve nos impedir de procurar estreitar cada vez mais nossas relações.
Apertei-a contra mim; sua coragem calava fundo em meu coração.
- Valerá mesmo a pena nós nos apegarmos ainda mais um ao outro se isto deve ser apenas temporário?
- Tanto pior! Não vamos desperdiçar o presente de medo do futuro... "


fragmento do romance "O sangue dos outros",
Simone de Beauvoir.




sábado, 4 de dezembro de 2010

O SEU SANTO NOME

Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda razão (e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.


carlos drummond de andrade

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

XV

Céu muito azul
Garcinha branca voou voou...
Pensou que o lago era lá em cima

Pesa um mormaço Dói a luz nos olhos
Sol parece um espelhinho

Vozes se dissolvem

Passarão sozinho risca a paisagem bojuda


RAUL BOPP -
COBRA NORATO e outros poemas

(fiquei pensando nos muitos dias que eu mal conseguia abrir os olhos, principalmente em março, por causa do sol e do mormaço... )

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

CLIMA-X

Quando, agonizantes, gozamos,

transcedemos

essa história de ser mulher
ou ser marido

É como se você fosse terra
e eu tivesse chovido.

Aldir Blanc

(um dia o Paulo me deu uma agendinha de papel reciclado, onde escreveu na primeira folha esse poema para nós...)

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Brecha

Ás vezes a tarde arrebata
sob picos de frágil crença
meus sonhos, tal qual acrobata,
e meu cérebro só pensa

Fica pesado, torna-se grosseiro
sem humor, lógico e triste,
não quer ser mais marinheiro
e só acredita no que existe

Meu cérebro lógico não tem encantos
Nuvens são nuvens e a rosa é só rosa
Espalha-se por todos os meus cantos
Uma forma fria, rígida e nebulosa

Mas é à noite, enquanto durmo,
embora o racional sempre o persiga,
que um sonho abre o meu futuro
E é só desse modo que vivo na vida.


Jorge Fröes

(com a permissão do autor, eis o poema!)

sábado, 20 de novembro de 2010

Negro

Pesa em teu sangue a voz de ignoradas origens
As florestas guardaram na sombra o segredo da tua história

A tua primeira inscrição em baixo-relevo
foi uma chicotada no lombo

Um dia
atiram-te no bojo de um navio negreiro
e durante noites e noites
vieste escutando o rugido do mar
como um soluço no porão soturno

O mar era um irmão da tua raça

Uma madrugada
baixaram as velas do convés
Havia uma nesga de terra e um porto
Armazéns com depósitos de escravos
e a queixa dos teus irmãos amarrados em coleiras de ferro

Principiou aí a tua história

O resto
a que ficou pra trás
o Congo as florestas e o mar
continuam a doer na corda do urucungo


Raul Bopp,
em Cobra Norato e outros poemas

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Mãe - preta

- Mãe-preta conte uma história
- Então feche os olhos filhinho:

Longe muito longe
era uma vez o rio Congo...

por toda parte o mato grande
Muito sol batia o chão

de noite
chegavam os elefantes
Então o barulho do mato crescia

Quando o rio ficava brabo
inchava

Brigava com as árvores
Carregava com tudo águas abaixo
até chegar na boca do mar

Depois...

Os olhos da preta pararam
Acordaram-se as vozes do sangue
glu-glus de água engasgada
naquele dia de nunca-mais

Era uma praia vazia
com riscos brancos de areia
e batelões carregando escravos

Começou então
uma noite muito comprida
Era um mar que não acabava mais

... depois...

- Ué mãezinha
porque você não conta o resto da história?


raul bopp
em COBRA NORATO e outros poemas

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

um dia muito especial

O dia do aniversário do homem que eu amo com o maior amor do mundo
e sou amada com o maior amor do mundo.

sábado, 16 de outubro de 2010

parece um poema

encontrei essa lista de mercado
(dentro do Drummond):
pão
queijo
gorgonzola
cebola
pimentão
leite condensado
creme de leite
kiwi
champignon
vinho
coca-cola
requeijão
(com uma letra bonita;
bem escrita)
Parece um poema; não?

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O MEDO

"Porque há para todos nós um problema sério [...]
Este problema é o do medo."

domingo, 3 de outubro de 2010

ser feliz

A gente é sempre melhor quando é feliz e, principalmente, quando se está feliz.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

nós dois

Ana, me disse ontem,
sente falta de nós dois
Teu pai
sente falta
de nós dois

Cama mesa
e a rua - de paralelepípedos -
sentem falta de nós dois

Eu
quero distância
(de nós dois).

sábado, 25 de setembro de 2010

um dia um homem que eu amava

Morreu nesse dia, há 40 anos, um homem que eu amava: meu pai.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Tentação

" Os pelos de ambos eram curtos, vermelhos.
Que foi que disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se com urgência, com encabulamento, surpreendidos."


Clarice Lispector,
Felicidade clandestina.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

na flor da idade

sabe, alguma coisa na flor da idade, bonita e viçosa, quando morre
sem nem ter vivido, alguma coisa quando morre:
um aborto?
A nossa casa.
A nossa pequena casa, tão amorosamente construída?

Pois, foi destruída ao primeiro vento,
feita do melhor tijolo, areia de uma praia qualquer,
argamassa podre

O pedreiro, este, não soube cuidar.

domingo, 12 de setembro de 2010

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O meu amor

É o meu amor: sempre, Paulo.
(com todas suas qualidades e defeitos)


maira. Floripa, em setembro.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

L'Amore piú grande del mondo:

il nostro!

(grazzie mille per tutto, amore mio)

Teu, sempre, AMOR.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Para N. G.

Tua casinha branca, teu tranqüilo jardim abandonarei.
Minha vida passará a ser solitária e radiosa.

Mas a ti, a ti eu celebrarei em meus versos,
como mulher alguma jamais fez.
Tu, querido, relembrarás a tua amada
no paraíso que criaste para os olhos dela.
Enquanto isso, eu comercio estes tesouros:
teu amor, tua ternura, vou vendê-los.


1923, Tsárskoie Seló

Anna Akhmátova

sábado, 21 de agosto de 2010

um dia especial: um sábado

para o Paulo, meu Mar.


UM SÁBADO
DE AGOSTO

O CÉU AZUL
E
O
SOL
BRILHANDO FORTE

MAS
É AGOSTO,
MÊS
DO DESGOSTO

EMBORA NASÇAM CRIANÇAS,
NASÇAM
FLORES,
HÁ DORES
EM AGOSTO

AMORES
SÃO
DESPEDAÇADOS
EM AGOSTO
(MINHA ALMA
DÓI
EM AGOSTO)

E
UM MAR IMENSO
- MEU MAR! -
SECOU,
VIROU SAL
EM AGOSTO.


(maira dilli)

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

"Hoje, tenho muito o que fazer:
devo matar a memória até o fim.
Minha alma vai ter de virar pedra.
Terei de reaprender a viver."


(Trecho de "O veredicto")
anna akhmátova

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

RETORNA

Retorna freqüentemente e apodera-te de mim,
sensação amada, retorna e apodera-te de mim -
quando a memória do corpo desperta,
e um desejo antigo torna a passar pelo sangue;
quando os lábios e a pele se lembram,
e as mãos sentem como se tocassem de novo.


Retorna freqüentemente e apodera-te de mim à noite,
quando os lábios e a pele se lembram...


KONSTANTINOS KAVAFIS

domingo, 8 de agosto de 2010

religião

tenho, no mínimo, 3 religiões: ler, ouvir música e AMAR. Esta última anda meio capenga - pela metade! - porque só eu amo o meu amor. Ele, o meu amor, me ama agora (apesar de ser o maior amor do mundo) de um modo incompleto, que eu não queria. Nem ele.
Mas amor não tem a ver com querer. Amor é sentir, e não sei se se educa o sentir. O que é bom, o que é melhor, o mais justo e bonito, o que a razão aponta - e até o coração! - , anda enfim, bem longe do sentir.

tenho uma outra religião que, muitas vezes quando ando ocupada com o amor, deixo de lado. Essa religião que já me ajudou tanto (nas agruras), é o escrever. Teria que ser cumprida à risca, como dever de casa de um severo professor - desses que nem existem mais - ou missa diária.
se perde o jeito quando se para de fazer algo que se sabe. Os pensamentos se atropelam e querem, parece, sair todos ao mesmo tempo; as palavras precisas atrasam.
Hoje, um sábado acabrunhado, nublado e triste, recomeço essa prática.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

NO MEIO DO CAMINHO

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.


Carlos Drummond de Andrade,
in Alguma Poesia.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

CASA TOMADA

"Os primeiros dias nos pareceram penosos porque ambos havíamos deixado na parte tomada muitas coisa que queríamos. Meus livros de literatura francesa, por exemplo, estavam todos na biblioteca. Irene sentia falta de umas toalhas, um par de chinelas que a abrigavam muito no inverno. Eu sentia falta do meu cachimbo de zimbro e acho que Irene pensou em um vidro de hesperidina de muitos anos. Com freqüência (mas isto somente aconteceu nos primeiros dias) fechávamos alguma gaveta das cômodas e nos olhávamos com tristeza.
- Não está aqui.
E era mais uma coisa de tudo o que havíamos perdido no outro lado da casa.
Mas também tivemos vantagens. A limpeza se simplificou tanto que ainda que nos levantássemos muito tarde, às nove e meia por exemplo, não eram onze e já estávamos de braços cruzados. Irene se acostumou a ir comigo à cozinha e a me ajudar a preparar o almoço. Pensamos bem , e decidimos isto: enquanto eu fazia o almoço, Irene prepararia pratos frios para a noite. Alegramo-nos porque sempre se torna incomodo ter de abandonar os quartos ao entardecer e pôr-se a cozinhar. Agora nos bastavam a mesa no quarto de Irene e as travessas de comida fria...
Estávamos bem, e pouco a pouco começávamos a não pensar. Pode-se viver sem pensar."


fragmento do conto CASA TOMADA, Júlio Cortázar.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

terça-feira, 29 de junho de 2010

Enxergo longe

agora vejo tudo: com minha lente interna, zero bala
(tenho até cartão de identificação, de paciente com lente implantada!)
vejo bem o que está por perto e melhor ainda o que está longe


E, com os olhos da alma, os que nunca te quiseram ver longe, te vejo cada vez mais perto de mim.

Liquidação

A casa foi vendida com todas as lembranças
todos os móveis todos os pesadelos
todos os pecados cometidos ou em via de cometer
a casa foi vendida com o seu bater de portas
com seu vento encanado sua vista do mundo
seus imponderáveis
por vinte, vinte contos.


carlos drummond de andrade

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Toada do amor

E o amor sempre nessa toada;
briga perdoa perdoa briga.

Não se deve xingar a vida,
a gente vive, depois esquece.
Só o amor volta para brigar,
para perdoar,
amor cachorro bandido trem.

Mas, se não fosse ele, também
que graça que a vida tinha?
Mariquita, dá cá o pito,
no teu pito está o infinito.


Carlos Drummond de Andrade

uma tal felicidade

domingo, 6 de junho de 2010

domingo, 16 de maio de 2010

"Una hermana es un trocito de niñez que nunca perdemos."

Marion C. Garrety

do livro HERMANAS; Hulton Getty

segunda-feira, 10 de maio de 2010

PRIMEIRAS ESTÓRIAS

"Cerrava-se, grave, num cansaço e numa renúncia à curiosidade, para não passear com o pensamento. Ia. Teria vergonha de falar do peru. Talvez não devesse, não fosse direito ter por causa dele aquele doer, que põe e punge, de dó, desgosto e desengano. Mas, matarem-no, também, parecia-lhe obscuramente algum erro. Sentia-se sempre mais cansado. Mal podia com o que agora lhe mostravam, na circunstristeza: o um horizonte, homens no trabalho de terraplanagem, os caminhões de cascalho, as vagas árvores, um ribeirão de águas cinzentas, o velame-do-campo apenas uma planta desbotada, o encantamento morto e sem pássaros, o ar cheio de poeira. Sua fadiga de impedida emoção, formava um medo secreto: descobria o possível de outras adversidades, no mundo maquinal, no hostil espaço; e que entre o contentamento e a desilusão, na balança infidelíssima, quase nada medeia. Abaixava a cabecinha."

fragmento de "Primeiras Estórias"; João Guimarães Rosa

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Mucuripe

AS VELAS DO MUCURIPE
VÃO SAIR PARA PESCAR
VOU LEVAR AS MINHAS MÁGOAS
PRÁS ÁGUAS FUNDAS DO MAR
HOJE À NOITE NAMORAR
SEM TER MEDO DA SAUDADE
SEM VONTADE DE CASAR

CALÇA NOVA DE RISCADO
PALETÓ DE LINHO BRANCO
QUE ATÉ O MÊS PASSADO
LÁ NO CAMPO INDA ERA FLOR
SOB O MEU CHAPÉU QUEBRADO
O SORRISO INGÊNUO E FRANCO
DE UM RAPAZ NOVO ENCANTADO
COM 20 ANOS DE AMOR

AQUELA ESTRELA É DELE
VIDA, VENTO, VELA LEVA-ME... DAQUI.


(Raimundo Fagner e Antonio Carlos Belchior)

terça-feira, 6 de abril de 2010

TIVE UM SONHO outrora
Que ainda vive em mim.
Tudo que em mim chora
Tinha nele fim.

Flor no pensamento
Da cor do esquecer,
Nexo nevoento
Entre mim e ser...

Perdi-o? Inda o tenho?
Tenho-o e o perdi.
E esse sonho estranho
Que a dormir vivi

Fazia risonho
O ser que me doe.
Que foi esse sonho?
Não sei o que foi.

Fernando Pessoa
- in POESIA

sexta-feira, 2 de abril de 2010

sexta-feira da Paixão

ando feliz ultimamente
Não sei bem porquê Talvez tenha a ver com paixão
Tenho que estar sempre apaixonada por alguém, ou algo: a música (e o cantar), por exemplo.
Canto às sextas: hoje, excepcionalmente, por ser a da Paixão, não cantei. Que contradição!
Senti falta do William, o professor, e de mim, me soltando na aula de canto.
Paciencia, vou ter que esperar a próxima sexta.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

20 se março de 1957

"Vi um homem morto na rua. Voltava para casa e seriam 7 da manhã. Um homem estirado na calçada, em frente ao Jockey. Gente em volta. Uma árvore encravada em um automóvel. O automóvel desfigurado e imprestável. A árvore apenas ferida em sua primeira e úmida casca. De pé, viva, inconscientemente verde - uma árvore enfim, onde morreu um homem."

fragmento de O Diário de Antônio Maria.

sábado, 27 de março de 2010

celos

"Celos
pudo el amor ser distinto
redes
trampa mortal en mi camino
y en un café, un café de ciudad
me contaste otra vez tu destino

Celos
celos en suelo argentino
fiebre
y mi ilusión que se deshizo
mientras te burlas de mí en tu canción
no me puedo librar del hechizo"


Gotan Project

sexta-feira, 26 de março de 2010

"ËSCREVENDO ESTAS NOTAS, tenho que tomar
um constante cuidado para não posar para elas.
Seria péssimo fazer ou deixar de fazer alguma
coisa, pensando no que escreveria mais tarde.
O ideal seria registrar o que me aconteceu na
véspera e, logo depois, esquecer que estou
escrevendo um diário. Outro erro em que não
quero cair: o da preocupação literária. Não
quero escrever bonito. Não estou visando o
público nem qualquer leitor isolado. Estou
escrevendo simplesmente."

fragmento de "O Diário de Antônio Maria"
ANTÔNIO MARIA

segunda-feira, 22 de março de 2010

AMBROSIA: o manjar dos deuses

Gosto de fazer ambrosia nessa época do ano.
É um doce feito com leite, açúcar e muito ovo: assim além do doce, que é uma delícia (e merece seguramente o titulo que tem), ganho duzias de casquinhas de ovos para pintar e encher de amendoim para a Páscoa.

Tenho (herança das sogras) duas receitas de ambrosia no meu caderno de receitas. Condicionada em vidros bonitos é um bom presente, está escrito no caderno. Lá também diz que a minha ambrosia é a melhor de todas, e é - todos que experimentam confirmam - graças aos segredos de D.Jandira, cuja receita prefiro.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Io che amo solo te

C'è gente che ha avuto mille cose
Tutto il bene, tutto il male del mondo
Io ho avuto solo te
E non ti perderò
Non ti lascerò
Per cercare nuove avventure
C'è gente che ama mille cose
E si perde per le strade del mondo
Io che amo solo te
Io mi fermerò
E ti regalerò
Quel che resta della mia gioventú
Io che amo solo te
Io mi fermerò
E ti regalerò
Quel che resta della mia gioventú

Sergio Endrigo

terça-feira, 2 de março de 2010

domingo, 28 de fevereiro de 2010

VISÃO

Vi em ti o poeta.
Abraçando-te, abracei imaterialmnete o poeta.
Nunca nenhum outro me deu
a sensação de poesia transparente.
Não vi em ti o homem efêmero
sujeito aos safanões da vida.
Vi em ti o verso
- puro, luminoso, cristalino =
independente de ti, superior a ti,
acasalando no ar as suas células rítmicas.

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 27 de fevereiro de 2010

ESDRUXULARIAS DE AMOR PENITENTE

Neste só, nestas brenhas
aonde não chega a música
da voz de Dulcinéia
que por mim não suspira
e mal sabe que existo,
vou fazer penitência
de amor.
Vou carpir minhas penas,
vou comover as rochas
com lavá-las de lágrimas,
vou rompê-las de grito,
ensandecer as águias,
cativar hipogrifos
e acarinhar serpentes,
vou
arrancar minhas vestes
de ferro e de grandeza
e sacar os calções
e de gâmbias de fora,
documentos do sexo
cinicamente à mostra
para que aves e plantas
desfrutem o espetáculo,
farei micagens mil,
plantarei bananeira
e darei cambalhotas,
saltos mortais, vitais
de amor
de amor
de amor.

Carlos Drummond de Andrade.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

coceira

Havia um dito popular, não muito inocente, que minha vó Santa costumava repetir, que quando uma mulher tem coceira no bico do seio, ou seja, no mamilo, é porque tem um homem com vontade dela. (O que se chama, hoje em dia, de tesão.)
Pois é, em algum lugar do mundo, que eu não tenho a menor idéia qual seja, deve ter alguém, que eu sei menos ainda, me querendo muito: meu seio esquerdo não para de coçar.
Acho que é a curiosidade coçando para saber quem é esse louco que me quer.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Maneca

Enquanto conversávamos com um conhecido, sobre os encantos de Floripa, Ana me contou que seus tios, nascidos e criados à beira mar, naquela região de Laguna e Imbituba, litoral de Santa Catarina, todos eram pescadores.
A maioria deles já morreu, porém Maneca, o tarrafeiro, está bem vivo.
O primo Maneca, embora cego - devido a um acidente de trabalho - faz tarrafas como ninguém, e as vende para lojas especializadas em artigos para pesca.
Fiquei curiosa por saber mais a respeito desse artesão (cego?!), mas a conversa parou ali: os músicos começavam a tocar.

Fórum Social

São Léo está em festa, com os eventos do Fórum Social Mundial, acontecendo em sua praça principal. Estive lá terça passada ansiosa por ver Elíades Ochoa, uma lenda - viva - da música cubana, como Ibrahim Ferrer e Compay Segundo.
Vítima de uma gastroenterite, infelizmente não participou do show, o convidado principal. Claro que lamentei, mas só até a música cubana começar; música feita por uns músicos de lá e outros daqui, conhecidos nossos, meus e do Fernando, do bar Odeon, e do Insano, aquela casa na Cidade Baixa onde se escuta e se dança a melhor Salsa de Porto. E, diga-se, por que não poderia deixar de dizer, que músicos!
Aí, esqueci do Elíades e de tudo o mais: esqueci até que não sei dançar e dancei Salsa até me acabar - às 2 da manhã - com um negro lindo chamado Daniel.
Ele perguntou o meu nome, me beijou a mão, disse que eu sou parecida com uma cantora de RAP brasiliense, que ele curte, e por isso quis ser meu par... Não sei bem porque ele se aproximou de mim, só sei que ele dança como o diabo!

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

andarilha

Minha mãe me disse hoje - depois que soube das minhas peripécias por Floripa - que não sabia como eu gostava tanto de andar por aí: "Não sei por quem tu puxou?", "Ir pra uma cidade grande, sozinha, no último dia do ano, sem ter onde ficar; só louco..."
Pois é, mas eu fui, disposta até, se preciso fosse, a dormir num banco da rodoviária - quando eu falei isso, parece que ela entendeu que eu sabia muito bem o que eu queria - não me arrependi, apesar de ter passado o dia 31 inteiro procurando um lugar adequado para passar esse precioso feriado; muito pelo contrário, adorei.
(Adorei o albergue e as pessoas bacanas que conheci. Novos amigos e, aquela coisa mágica da ilha, a beleza surpreendendo sempre: um restaurantezinho no alto, as casinhas coloridas penduradas no morro, uma chuva de verão, bolinho de peixe, o Zé Ramalho tocando... e eu curtindo tudo.)
Pensando nisso e conversando, mais tarde, com minha amiga Ana, descobri que sou parecida com uma tia meio destrambelhada, a pessoa mais livre de amarras que já conheci, chamada Elza.
É isso, está explicado: herdei o sangue beduíno da tia Elza. E os gens de loucura, da tia Noêmia, outra irmã de meu pai.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

angústia

"Voltei à sala, nas pontas dos pés. Ninguém me viu. Camilo Pereira da Silva continuava escondido debaixo do pano branco; no lugar da cara uma nódoa vermelha coberta de moscas. Rosenda queimava alfazema num caco de telha. Seu Acrísio não servia para nada. Era impossível saber onde se fixava o olho de padre Inácio, duro, de vidro, imóvel na órbita escura. Ninguém me viu. Fiquei num canto, roendo as unhas, olhando os pés do finado, compridos, chatos, amarelos.
Sempre abafando os passos, dirigi-me novamente ao fundo do quintal, com medo daquela gente que nem me havia mandado buscar à escola para assistir à morte do meu pai. Até a preta Quitéria se esquecera de mim. Ao passar pela cozinha, encontrei-a mexendo nas panelas e lastimando-se. Sentei-me na prensa, cansado, o estômago doendo. Que iria fazer por aí à toa, miúdo, tão miúdo que ninguém me via? Encostei-me no muro, escorreguei por cima da madeira bichada, adormeci pensando nos mergulhos no poço da Pedra, nos bolos e nos pés de Camilo Pereira da Silva. E, enquanto dormia, ouvia a cantiga dos sapos no açude da Penha, o burburinho dos intrusos que se acavalavam no corredor, o barulho do descaroçador de algodão no Cavalo-Morto. Vozes chegavam-me, confusas, e eu não conseguia apreender o sentido delas. Visões também. Via a casa da fazenda, arruinada, os bichos definhando na morrinha, o chiqueiro bodejando, relâmpagos cortando o céu. A chuva caía, eu andava pelo pátio, nu, montado num cabo de vassoura. Quem me acordou foi Rosenda, que me trazia uma xícara de café.
- Muito obrigado, Rosenda.
E comecei a soluçar como um desgraçado."


fragmento do romance ANGÚSTIA, Graciliano Ramos.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Tempestade

"Escureci o sol do meio-dia,
O tumulto dos ventos conclamei,
Entre o verde do mar e o azul do céu
Criei a guerra, e ainda incendiei
O trovão que alucina"

William Shakespeare, A Tempestade

domingo, 17 de janeiro de 2010

preguiça e música

domingo: pigra total e música o dia inteiro.
Acordei com preguiça e coloquei um CD, num bom volume, o Blur. Depois um pouco de música cubana, Compay e Anna Maria Jopek; Chico, Gotan Project, A Banda Bardo e o Bowie. Tomei uns banhos no chuveiro da rua para amenizar o calor e a preguiça.
Agora está anoitecendo, sopra um ventinho leve e o céu, cinza - claro, está se fechando, escurecendo. Pego uma cerveja na geladeira, um pedaço de torta e o Drummond. Escuto jazz, Chet Baker ( um pouco melancólico, me disse o Luciano ainda há pouco ao telefone. Talvez, mas muito bom).
Volto para a rua; fico aqui à mesa com o ventinho e o chumbo cinza do céu, pensando na vida e em como está deliciosa esta torta de frango... A cerveja. O Drummond.
E o trumpete do Chet Baker, uma beleza!
(se esparramando pela casa e saindo pelas portas e janelas abertas: suavemente.)

sábado, 16 de janeiro de 2010

MEMÓRIA

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.


Carlos Drummond de Andrade, in Claro Enigma.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

a lição de Siqueleto

O próprio Muindinga está como se encantado com as palavras de Tuahir. Não é a história que o fascina mas a alma que está nela. E ao ouvir os sonhos de Tuahir, com os ruídos da guerra por trás, ele vai pensando: "não inventaram ainda uma pólvora suave, maneirosa, capaz de explodir os homens sem lhes matar. Uma pólvora que, em avessos serviços, gerasse mais vida. E do homem explodido nascessem os infinitos homens que lhes estão por dentro. "


fragmento do romance Terra Sonâmbula, Mia Couto.
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Muitas vezes eu tenho a pretensão de esperar pólvoras suaves, especialmente feitas para mim (por alguma espécie de artesão da alma), como se eu merecesse por doçura minha, mortes menos dolorosas: isto é impossível as explosões são sempre brutais e eu me despedaço inteira. Mas, prefiro isso à inércia.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

"HÁ EM TUDO que fazemos
Uma razão singular:
É que não é o que qu'remos.
Faz-se porque nós vivemos,
E viver é não pensar.

Se alguém pensasse na vida,
Morria de pensamento."

Fernando Pessoa ( fragmanto)
...........................

PASSA UMA NUVEM pelo sol.
Passa uma pena por quem vê.
A alma é como um girassol:
Vira-se ao que não está ao pé.

Passou a nuvem; o sol volta.
A alegria girassolou.
Pendão latente de revolta,
Que hora maligna te enrolou?


Fernando Pessoa, in POESIA.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

AS SEM-RAZÕES DO AMOR

Eu te amo porque te amo
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem ( e matam )
a cada instante de amor.

Carlos Drummond de Andrade, in CORPO.

domingo, 10 de janeiro de 2010

PRANTO GERAL DOS INDIOS

Chamar-te Maíra
Dyuna
Criador
seria mentir
pois os seres e as coisas respiravam antes de ti
mas tão desfolhados em seu abandono
que melhor fora não existissem
As nações erravam em fuga e terror
Vieste e nos encontraste
Eras calmo pequeno determinado
teu gesto paralisou o medo
tua voz nos consolou, era irmã
Protegidos de teu braço nos sentimos
O akangatar mais púrpura e sol te cingiria
mas quiseste apenas nossa fidelidade

Eras um dos nossos voltando à origem
e trazias na mão o fio que fala
e o foste estendendo até o maior segredo da mata
A piranha a cobra a queixada a maleita
não te travavam o passo
militar e suave
Nossas brigas eram separadas
e nossos campos de mandioca marcados
pelo sinal da paz
E dos que se assustavam pendia o punho
fascinado pela força de teu bem querer
Ó Rondon, trazias contigo o sentimento da terra

...................................
Não nos deixastee sós quando te foste
Ficou a lembrança, rã pulando n'água
do rio da Dúvida: voltarias?
Amigos que nos despachaste contavam de ti sem luz
antigo, entre pressas e erros, guardando
em ti, no teu amor tornado velho
o que não pode o tempo esfarinhar
e quanto nossa pena te doía

Afinal já regressas. É janeiro
tempo de milho verde. Uma andorinha
um broto de buriti nos anunciam
tua volta completa e sem palavra
.................................

Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O PAGAMENTO

Quando é que sai o pagamento?
O pagamento está difícil.


Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

ESSAS COISAS

"Você não está mais na idade
de sofrer por essas coisas."

Há então a idade de sofrer
e a de não sofrer mais
por essas, essas coisas?

As coisas só deviam acontecer
para fazer sofrer
na idade própria de sofrer?

Ou não se devia sofrer
pelas coisas que causam sofrimento
pois vieram fora de hora, e a hora é calma?

E se não estou mais na idade de sofrer
é porque estou morto, e morto
é a idade de não sentir as coisas, essas coisas?


Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

tartarugas

A tartaruga Flor - do projeto TAMAR - sente, longe do mar, o mesmo que eu longe do meu amor: DOR.
A dor da saudade.

...........
Barra da Lagoa, Floripa.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

ANO NOVO

SERÁ MESMO que o ano é novo ou foi só um número que mudou?!?