Vou para o mar
Amar o mar - o verde mar -
pegar uma cor.
Se bem que, de ontem para hoje,
as coisas estão bem mais coloridas
para mim
(e doloridas, também.)
Estou usando aparelho
como nunca tirei os sisos
os dentes sem juízo se acavalaram.
quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
CADA CANÇÃO
Cada canção
é um remanso
do amor.
Cada estrela
um remanso
do tempo.
Um nó
do tempo.
E cada suspiro
um remanso
do grito.
.....................
Federico García Lorca
in ROMANCEIRO GITANO E OUTROS POEMAS.
( Amo, amo esse poema!)
é um remanso
do amor.
Cada estrela
um remanso
do tempo.
Um nó
do tempo.
E cada suspiro
um remanso
do grito.
.....................
Federico García Lorca
in ROMANCEIRO GITANO E OUTROS POEMAS.
( Amo, amo esse poema!)
domingo, 20 de dezembro de 2009
os balanços
Meu pai pendurava balanços nas árvores lá de casa. Um para cada filho: éramos três.
Escolhia o galho mais forte para os pequenos não cairem.
Nós, contentes da vida, íamos ao céu e voltávamos: voávamos, quase, nos balanços.
E o pai se arrependia um pouco, olhando assustado o vôo.
Escolhia o galho mais forte para os pequenos não cairem.
Nós, contentes da vida, íamos ao céu e voltávamos: voávamos, quase, nos balanços.
E o pai se arrependia um pouco, olhando assustado o vôo.
sábado, 19 de dezembro de 2009
A concha vazia
Eu, que sou meio caranguejo, meio concha e - às vezes - metida a sereia, adorei esse poema que encontrei hoje na ZH, de um poeta daqui, o Paulo Neves: A concha vazia.
Abri o jornal, o título "Irretocável poesia" me chamou a atenção, obviamente. Fui ao artigo; eis o poema:
" Refugo do mar jogado na areia.
Vento em rodopio nas suas volutas.
Refúgio do mar, canto de sereia
que o tempo esculpiu. A forma da escuta."
Gostei, também, muito dos outros três poemas presentes ali.
Como será esse Paulo: será uma pessoa amorosa, uma boa pessoa, como é, poeta?
......................
Contradição
Eu esquiava sobre montanhas de dor.
O coração abismado na terra estranha
não compreendia o que era inverno e verão.
A neve ardia em duro combate com a luz.
Nas pernas vibrava uma voz que me dizia:
Segue, não te detenhas na contradição.
Paulo Neves
Abri o jornal, o título "Irretocável poesia" me chamou a atenção, obviamente. Fui ao artigo; eis o poema:
" Refugo do mar jogado na areia.
Vento em rodopio nas suas volutas.
Refúgio do mar, canto de sereia
que o tempo esculpiu. A forma da escuta."
Gostei, também, muito dos outros três poemas presentes ali.
Como será esse Paulo: será uma pessoa amorosa, uma boa pessoa, como é, poeta?
......................
Contradição
Eu esquiava sobre montanhas de dor.
O coração abismado na terra estranha
não compreendia o que era inverno e verão.
A neve ardia em duro combate com a luz.
Nas pernas vibrava uma voz que me dizia:
Segue, não te detenhas na contradição.
Paulo Neves
domingo, 13 de dezembro de 2009
THE BEATLES BALLADS on Sunday
Os quatro de Liverpool e os bichinhos todos na capa do disco, feito a Arca do Noé. Escuto She's leaving home e penso nessa possibilidade. Ali, next to Gasometro: é o meu desejo para 2010.
Por hoje, a minha cota de felicidade, ficou por conta dos violinos da orquestra da PUC e do João Bosco: imperdíveis, ambos.
(... " as granadas de Espanha e as rosas partindo o ar...")
Por hoje, a minha cota de felicidade, ficou por conta dos violinos da orquestra da PUC e do João Bosco: imperdíveis, ambos.
(... " as granadas de Espanha e as rosas partindo o ar...")
domingo, 6 de dezembro de 2009
IDOLATRIA
EU OLHAVA PARA A ESTRADA e tinha a impressão que jamais na vida chegaríamos a Nhuporã. Que pedaço brabo. O camaleão se esfregava no chassi e o pai praguejava:
- Caminho do diabo!
Nosso Chevrolet era um um trinta e oito de carroceria verde-oliva e cabina da mesma cor, só um nadinha mais escura. No pára-choque havia uma frase sobre amor de mãe e em cima da cabina uma placa onde o pai anunciava que fazia carreto na cidade, fora dela e ele garantia, de boca, que até fora do estado, pois o Chevrolet não se acanhava nas estradas desse mundo de Deus.
Mas o caminho era do diabo, ele mesmo tinha dito. A pouco mais de uma légua de Nhuporã o caminhão derrapou, deu um solavanco e tombou de ré na valeta. O pai acelerou, a cabina estremeceu. Ouvíamos os estalos da lataria e o gemido das correntes no barro e na água, mas o caminhão não saiu do lugar. Ele deu um murro no guidom.
- Puta merda.
Quis abrir a porta, ela trancou no barranco.
- Abre a tua.
A minha também trancava e ele se arreliou:
- Como é, ô Moleza!
Empurrou-a com violência.
- Me traz aquelas pedras. E vê se arranca um feixe de alecrim, anda.
Agachou-se junto às rodas e começou a fuçar, jogando grandes porções de barro para os lados. Mal ele tirava, novas porções vinham abaixo, afogando as rodas. Com a testa molhada, escavava sem parar, suspirando, praguejando, merda isso e merda aquilo, e de vez em quando, com raiva mostrava o punho para o caminhão.
O pai era alto, forte, tinha o cabelo preto e o bigode espesso. Não era raro ele ficar mais de mês em viagem e nem assim a gente se esquecia da cara dele, por causa do nariz, chato como o de um lutador. Bastava lembrar o nariz e o resto se desenhava no pensamento.
- Vamos com essas pedras!
Por que falava assim comigo, tão danado? As pedras, eu as sentia dentro do peito, inamovíveis.
- Não posso, estão enterradas.
- Ah, Moleza.
Meteu as màos na terra e as arrancou uma a uma. Carreguei-as até o caminhão, enquanto ele se embrenhava no capinzal para pegar o alecrim.
- Pai, pai, o caminhão tá afundando!
A cabeça dele apareceu entre as ervas.
- Não vê que é a água que tá subindo, ô pedaço de mula?
E riu. Ficava bonito quando ria, os dentes bem parelhos e branquinhos.
fragmento do conto Idolatria, Sergio Faraco.
..........................
Essa história me lembra muito uma outra, que aconteceu na minha infância: a ida à festa de casamento de uma prima de minha mãe, no campo. Tínhamos um Chevrolet, verde também, que meu pai chamava de auto. Durante a pequena viagem, derrapamos várias vezes pela estrada de chão: o pai , que não era muito afeito à direção dizia que tinha muita areia solta por lá. (Disse isso muitas vezes, querendo, quem sabe, convencer a si mesmo.) Demoramos um pouco para chegar, no entanto para nós, pequenos, tudo era diversão. Estávamos esfomeados, e eu nunca comi tanta bolacha d'água na minha vida, mas essa é outra história.
- Caminho do diabo!
Nosso Chevrolet era um um trinta e oito de carroceria verde-oliva e cabina da mesma cor, só um nadinha mais escura. No pára-choque havia uma frase sobre amor de mãe e em cima da cabina uma placa onde o pai anunciava que fazia carreto na cidade, fora dela e ele garantia, de boca, que até fora do estado, pois o Chevrolet não se acanhava nas estradas desse mundo de Deus.
Mas o caminho era do diabo, ele mesmo tinha dito. A pouco mais de uma légua de Nhuporã o caminhão derrapou, deu um solavanco e tombou de ré na valeta. O pai acelerou, a cabina estremeceu. Ouvíamos os estalos da lataria e o gemido das correntes no barro e na água, mas o caminhão não saiu do lugar. Ele deu um murro no guidom.
- Puta merda.
Quis abrir a porta, ela trancou no barranco.
- Abre a tua.
A minha também trancava e ele se arreliou:
- Como é, ô Moleza!
Empurrou-a com violência.
- Me traz aquelas pedras. E vê se arranca um feixe de alecrim, anda.
Agachou-se junto às rodas e começou a fuçar, jogando grandes porções de barro para os lados. Mal ele tirava, novas porções vinham abaixo, afogando as rodas. Com a testa molhada, escavava sem parar, suspirando, praguejando, merda isso e merda aquilo, e de vez em quando, com raiva mostrava o punho para o caminhão.
O pai era alto, forte, tinha o cabelo preto e o bigode espesso. Não era raro ele ficar mais de mês em viagem e nem assim a gente se esquecia da cara dele, por causa do nariz, chato como o de um lutador. Bastava lembrar o nariz e o resto se desenhava no pensamento.
- Vamos com essas pedras!
Por que falava assim comigo, tão danado? As pedras, eu as sentia dentro do peito, inamovíveis.
- Não posso, estão enterradas.
- Ah, Moleza.
Meteu as màos na terra e as arrancou uma a uma. Carreguei-as até o caminhão, enquanto ele se embrenhava no capinzal para pegar o alecrim.
- Pai, pai, o caminhão tá afundando!
A cabeça dele apareceu entre as ervas.
- Não vê que é a água que tá subindo, ô pedaço de mula?
E riu. Ficava bonito quando ria, os dentes bem parelhos e branquinhos.
fragmento do conto Idolatria, Sergio Faraco.
..........................
Essa história me lembra muito uma outra, que aconteceu na minha infância: a ida à festa de casamento de uma prima de minha mãe, no campo. Tínhamos um Chevrolet, verde também, que meu pai chamava de auto. Durante a pequena viagem, derrapamos várias vezes pela estrada de chão: o pai , que não era muito afeito à direção dizia que tinha muita areia solta por lá. (Disse isso muitas vezes, querendo, quem sabe, convencer a si mesmo.) Demoramos um pouco para chegar, no entanto para nós, pequenos, tudo era diversão. Estávamos esfomeados, e eu nunca comi tanta bolacha d'água na minha vida, mas essa é outra história.
sábado, 5 de dezembro de 2009
Asa Morena
Me faz pequena, asa morena
me alivia a dor,
aliviando a dor que mata
me faz ser teu amor
Me toma no crescer
de um beijo muito louco,
me implodindo aos poucos
no universo a desvendar
a vastidão do teu amor.
Me toma sem pensar
num gesto muito forte
unindo o sul e o norte do meu corpo,
frágil corpo com a mais
pura emoção.
Me toma no crescer
de um beijo muito louco,
me implodindo aos poucos
no universo a desvendar
a imensidão do teu amor
Me faz pequena, asa morena...
..................
Zé Caradípia
(Putz, hoje eu cantei essa música com toda a vontade, com todo o gosto e toda a energia - de sobra - para as coisas que dão prazer. Não sabia que ese cara o Zé Caradípia, o autor da letra, mora ou morou no Laranjal: não barco ou pomar; na praia do Laranjal, e é pelotense como eu. Legal!)
me alivia a dor,
aliviando a dor que mata
me faz ser teu amor
Me toma no crescer
de um beijo muito louco,
me implodindo aos poucos
no universo a desvendar
a vastidão do teu amor.
Me toma sem pensar
num gesto muito forte
unindo o sul e o norte do meu corpo,
frágil corpo com a mais
pura emoção.
Me toma no crescer
de um beijo muito louco,
me implodindo aos poucos
no universo a desvendar
a imensidão do teu amor
Me faz pequena, asa morena...
..................
Zé Caradípia
(Putz, hoje eu cantei essa música com toda a vontade, com todo o gosto e toda a energia - de sobra - para as coisas que dão prazer. Não sabia que ese cara o Zé Caradípia, o autor da letra, mora ou morou no Laranjal: não barco ou pomar; na praia do Laranjal, e é pelotense como eu. Legal!)
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
Lua cheia
Tem uma lua - de prata - bem cheia no céu
O barulho do vento nas folhas das bananeiras
escada acima, me leva, não para o quarto,
Para um outro lugar: estou no mar.
E amanhã... amanhã é outro dia.
O barulho do vento nas folhas das bananeiras
escada acima, me leva, não para o quarto,
Para um outro lugar: estou no mar.
E amanhã... amanhã é outro dia.
domingo, 29 de novembro de 2009
DEUS
porque existe música, existe.
escuto Blur e a banda Bardo no domingo
de céu todo azul
e sol: best days
Best days will came
eu sei
escuto Blur e a banda Bardo no domingo
de céu todo azul
e sol: best days
Best days will came
eu sei
sábado, 28 de novembro de 2009
NOVEMBER RAIN
Ontem, no Odeon, conheci um instrumento musical incrível, uma obra de arte. Todo esculpido à mão em madeira castanho-avermelhada, maior que o homem que tocava suas quatro cordas com cuidado, impunha respeito e admiração pelo tamanho, pela beleza e pelo som que saia do seu interior imenso: um baixo acústico gigante, que junto ao piano (do Maurinho) e a outro baixo "normal", faziam um som muito original; meio primitivo, porém doce, delicado.
Pena, a nenhuma delicadeza da gente estúpida, que não sabe parar para sentir a música linda - quase rara e inusitada, ali, feito um presente - com sua conversa aos berros, seu descaso.
Gostaria de ter ficado, como sempre, bem perto dos músicos. Eu, a Ana Clara, o Fernando. Gostaria também, de ao sair, ter passado de leve a mão nas curvas do gigante: me arrepiaria inteira. Ana riria, certamente.
Pena, a nenhuma delicadeza da gente estúpida, que não sabe parar para sentir a música linda - quase rara e inusitada, ali, feito um presente - com sua conversa aos berros, seu descaso.
Gostaria de ter ficado, como sempre, bem perto dos músicos. Eu, a Ana Clara, o Fernando. Gostaria também, de ao sair, ter passado de leve a mão nas curvas do gigante: me arrepiaria inteira. Ana riria, certamente.
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
POEMA DE SETE FACES
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
...................................
Carlos Drummond de Andrade
(in Alguma Poesia)
..................................
(Também eu, às vezes penso, que Deus anda esquecido: num descaso comigo - pegando pesado.
Até parece que Ele não sabe o quão fraca sou. E o quanto não sei ser só.)
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
...................................
Carlos Drummond de Andrade
(in Alguma Poesia)
..................................
(Também eu, às vezes penso, que Deus anda esquecido: num descaso comigo - pegando pesado.
Até parece que Ele não sabe o quão fraca sou. E o quanto não sei ser só.)
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
domingo, 25 de outubro de 2009
FUTEBOL
Futebol se joga no estádio?
Futebol se joga na praia,
futebol se joga na rua,
futebol se joga na alma.
A bola é a mesma: forma sacra
para craques e pernas-de-pau.
Mesma a volúpia de chutar
na delirante copa-mundo
ou no árido espaço do morro.
São vôos de estátuas súbitas,
desenhos feéricos, bailados
de pés e troncos entrançados.
Instantes lúdicos: flutua
o jogador, gravado no ar
- afinal, o corpo triunfante
da triste lei da gravidade.
Drummond, in Poesia Errante
.................................
(Dá-lhe Inter!!!)
Futebol se joga na praia,
futebol se joga na rua,
futebol se joga na alma.
A bola é a mesma: forma sacra
para craques e pernas-de-pau.
Mesma a volúpia de chutar
na delirante copa-mundo
ou no árido espaço do morro.
São vôos de estátuas súbitas,
desenhos feéricos, bailados
de pés e troncos entrançados.
Instantes lúdicos: flutua
o jogador, gravado no ar
- afinal, o corpo triunfante
da triste lei da gravidade.
Drummond, in Poesia Errante
.................................
(Dá-lhe Inter!!!)
sábado, 24 de outubro de 2009
APOSTILA
APROVEITAR o tempo!
Mas o que é o tempo, que eu o aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linhas...
O trabalho honesto e superior...
O trabalho à Virgílio, à Milton...
Mas é tão difícil ser honesto ou superior!
É tão pouco provável ser Mílton ou Virgílio!
Aproveitar o tempo!
Tirar da alma os bocados precisos - nem mais
nem menos -
Para com eles juntar os cubos ajustados
Que fazem gravuras certas na história
(E estão certas também do lado de baixo
que se não vê)...
Pôr as sensações em castelos de cartas, pobre China
dos serões,
e os pensamentos em dominó, igual contra igual,
E a vontade em carambola difícil...
Imagens de jogos ou de paciências ou de
passatempos...
Imagens da vida, imagens das vidas,
imagens da Vida.
Verbalismo...
Sim, verbalismo...
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de consciência
desconheça...
Não ter um ato indefinido nem factício...
Não ter um movimento desconforme com
propósitos...
Boas maneiras da alma...
Elegância de persistir...
Aproveitar o tempo!
Meu coração está cansado como mendigo verdadeiro.
Meu cérebro está pronto como um fardo posto ao
canto.
Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é
triste.
Aproveitar o tempo!
Desde que comecei a escrever passaram cinco
minutos.
Aproveitei-os ou não?
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros
minutos?!
................................................
Aproveitar o tempo!...
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou
de ser!
..................................................
Fernando Pessoa
(Ah, esquecer, desmemoriar: que benção, seria, pr'alma!)
Mas o que é o tempo, que eu o aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linhas...
O trabalho honesto e superior...
O trabalho à Virgílio, à Milton...
Mas é tão difícil ser honesto ou superior!
É tão pouco provável ser Mílton ou Virgílio!
Aproveitar o tempo!
Tirar da alma os bocados precisos - nem mais
nem menos -
Para com eles juntar os cubos ajustados
Que fazem gravuras certas na história
(E estão certas também do lado de baixo
que se não vê)...
Pôr as sensações em castelos de cartas, pobre China
dos serões,
e os pensamentos em dominó, igual contra igual,
E a vontade em carambola difícil...
Imagens de jogos ou de paciências ou de
passatempos...
Imagens da vida, imagens das vidas,
imagens da Vida.
Verbalismo...
Sim, verbalismo...
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de consciência
desconheça...
Não ter um ato indefinido nem factício...
Não ter um movimento desconforme com
propósitos...
Boas maneiras da alma...
Elegância de persistir...
Aproveitar o tempo!
Meu coração está cansado como mendigo verdadeiro.
Meu cérebro está pronto como um fardo posto ao
canto.
Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é
triste.
Aproveitar o tempo!
Desde que comecei a escrever passaram cinco
minutos.
Aproveitei-os ou não?
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros
minutos?!
................................................
Aproveitar o tempo!...
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou
de ser!
..................................................
Fernando Pessoa
(Ah, esquecer, desmemoriar: que benção, seria, pr'alma!)
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
NINGUÉM ME DISSE quem tu eras,
Ninguém falou de que virias...
Vieste, e havia primaveras
Em que só tu florias...
Não sei ainda se vieste
Pois não distingo o sonho e a vida.
Sei qual o bem que me trouxeste,
Mas não me foi guarida.
Era um desejo começado,
Era um anseio por achar.
Só me resta do teu agrado
O tornar-te a sonhar.
Fernando Pessoa, in POESIA.
Ninguém falou de que virias...
Vieste, e havia primaveras
Em que só tu florias...
Não sei ainda se vieste
Pois não distingo o sonho e a vida.
Sei qual o bem que me trouxeste,
Mas não me foi guarida.
Era um desejo começado,
Era um anseio por achar.
Só me resta do teu agrado
O tornar-te a sonhar.
Fernando Pessoa, in POESIA.
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
QUEM ME DIZ que sou quem julgo?
Os doidos é que estão certos.
Por bem ou mal, não promulgo...
Mas quem dera ter abertos
Os ouvidos ao segredo
Da fantasia que engana
E ser quem não se é sem medo
Segundo a maneira humana!
Todos sabem a verdade
Menos eu, que a procurei
Com tanta sinceridade!
Fernando Pessoa, in POESIA.
Os doidos é que estão certos.
Por bem ou mal, não promulgo...
Mas quem dera ter abertos
Os ouvidos ao segredo
Da fantasia que engana
E ser quem não se é sem medo
Segundo a maneira humana!
Todos sabem a verdade
Menos eu, que a procurei
Com tanta sinceridade!
Fernando Pessoa, in POESIA.
terça-feira, 20 de outubro de 2009
NADA FICA de nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese
Da humilde terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.
Leis feitas, estátuas vistas, odes findas -
Tudo tem cova sua. Se nós, carnes
A que um íntimo sol dá sangue, temos
Poente, por que não elas?
Somos contos contando contos, nada.
Fernando Pessoa
.....................
(Li esse poema , no Odeon, hoje - e alguém, uma moça, gravou - não sei com que fim.)
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese
Da humilde terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.
Leis feitas, estátuas vistas, odes findas -
Tudo tem cova sua. Se nós, carnes
A que um íntimo sol dá sangue, temos
Poente, por que não elas?
Somos contos contando contos, nada.
Fernando Pessoa
.....................
(Li esse poema , no Odeon, hoje - e alguém, uma moça, gravou - não sei com que fim.)
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
A palavra mágica
Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.
Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.
Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.
Carlos Drummond de Andrade, in Poesia Completa.
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.
Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.
Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.
Carlos Drummond de Andrade, in Poesia Completa.
domingo, 18 de outubro de 2009
NÃO SÓ quem nos odeia ou nos inveja
Nos limita e oprime; quem nos ama
Não menos nos limita.
Que os deuses me concedam que, despido
De afetos, tenha a fria liberdade
Dos pícaros sem nada.
Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada
É livre; quem não tem, e não deseja,
Homem, é igual aos deuses.
.Fernando Pessoa
.....................
( Adoro esse poema!)
Nos limita e oprime; quem nos ama
Não menos nos limita.
Que os deuses me concedam que, despido
De afetos, tenha a fria liberdade
Dos pícaros sem nada.
Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada
É livre; quem não tem, e não deseja,
Homem, é igual aos deuses.
.Fernando Pessoa
.....................
( Adoro esse poema!)
sexta-feira, 16 de outubro de 2009
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
PARTE-TE contra a parede,
Coração que ninguém quer!
Alma com fome e com sede
Só do que não pode haver
O que te há-de suceder?
Cai no lixo e fica lá,
Anseio que és somente
De ir buscar o que não há
Onde os não hás não são gente!
Quebra-te coisa que sente!
FernandoPessoa , in POESIA.
.......................................
Vira Virou
Vou voltar na primavera
E era tudo o que eu queria
Levo terra nova daqui
Quero ver o passaredo
Pelos portos de Lisboa
Voa Voa
Que eu chego já
Mas se alguém segura o leme
Desta nave incandescente
Que incendeia a minha vida
Que era viajante e lenta
Tão faminta da alegria
Hoje é porto de partida.
Ah, vira virou
Meu coração navegador
Ah, vira virou
Essa galera...
(Kleiton & Kledir)
Coração que ninguém quer!
Alma com fome e com sede
Só do que não pode haver
O que te há-de suceder?
Cai no lixo e fica lá,
Anseio que és somente
De ir buscar o que não há
Onde os não hás não são gente!
Quebra-te coisa que sente!
FernandoPessoa , in POESIA.
.......................................
Vira Virou
Vou voltar na primavera
E era tudo o que eu queria
Levo terra nova daqui
Quero ver o passaredo
Pelos portos de Lisboa
Voa Voa
Que eu chego já
Mas se alguém segura o leme
Desta nave incandescente
Que incendeia a minha vida
Que era viajante e lenta
Tão faminta da alegria
Hoje é porto de partida.
Ah, vira virou
Meu coração navegador
Ah, vira virou
Essa galera...
(Kleiton & Kledir)
terça-feira, 13 de outubro de 2009
" Mas leio, leio. Em filosofias
tropeço e caio, cavalgo de novo
meu verde livro, em cavalarias
me perco medievo: em contos, poemas
me vejo viver. Como te devoro,
verde pastagem. Ou antes carruagem
de fugir de mim e me trazes de volta
à casa a qualquer hora num fechar
de páginas?"
.............................
(fragmento de um poema do Drummond, in Biblioteca verde)
E a Feira do Livro está aí, de novo, pertinho.
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
Segunda-feira
Acordei de alma lavada: andamos, por lugares de sonho, juntos a noite inteira. Ouvimos música, nos amamos, conversamos. Até cantar, cantei.
Nos redimimos e voltamos. Acordei.
(Ao meu lado, o morro anil de edredon.)
Nos redimimos e voltamos. Acordei.
(Ao meu lado, o morro anil de edredon.)
domingo, 11 de outubro de 2009
Domingo
Chuva
A chuva lavou tudo neste domingo: menos minha alma.
Queria a alma lavada e cansaço no corpo
Nada fiz, impotente.
A chuva chove onde quer e quando.
Eu, não sei mais o que faço: não tenho escolha
nem saida. Só o desespero de um dia e o outro
De sol que não aquece do frio; de chuva que não finda o estio
Da minha alma: à margem, faminta
Desgraçada.
sábado, 10 de outubro de 2009
EM QUE PARTE de que caminho
Vou eu, que não sei onde vou?
Na rua sei onde é que estou.
Na vida ignoro onde vou vizinho.
Não sei onde há esquina ou beco
Na vida vã que vou seguindo.
Sei que vou indo, ou não vou indo.
Não sei se, indo ou não indo, acerto ou peco.
Ah, a desgraça nossa, que é
Na vida escura caminhar
Por ir, e nunca por andar!
Que farei? Ir, ir estúpido e com fé...
Vou eu, que não sei onde vou?
Na rua sei onde é que estou.
Na vida ignoro onde vou vizinho.
Não sei onde há esquina ou beco
Na vida vã que vou seguindo.
Sei que vou indo, ou não vou indo.
Não sei se, indo ou não indo, acerto ou peco.
Ah, a desgraça nossa, que é
Na vida escura caminhar
Por ir, e nunca por andar!
Que farei? Ir, ir estúpido e com fé...
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
POR AÍ ALÉM
Deixa um momento o asfalto, vem comigo,
entre jogos de sombra e claridade
conhecer a cintura da cidade.
Respira a plenitude do silêncio
destes montes e montes sucessivos
que ignoram a dor dos seres vivos.
Mergulha no mistério vegetal
da mata exuberante, onde as lianas
e as bromélias se calam, soberanas.
E na imobilidade do saveiro
diante da igrejinha, vai sentindo
o que é doçura e paz na hora fluindo.
Carlos Drummond de Andrade
...........................................
(capão do leão, serro.)
entre jogos de sombra e claridade
conhecer a cintura da cidade.
Respira a plenitude do silêncio
destes montes e montes sucessivos
que ignoram a dor dos seres vivos.
Mergulha no mistério vegetal
da mata exuberante, onde as lianas
e as bromélias se calam, soberanas.
E na imobilidade do saveiro
diante da igrejinha, vai sentindo
o que é doçura e paz na hora fluindo.
Carlos Drummond de Andrade
...........................................
(capão do leão, serro.)
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
SIGNO
Fugias do escorpião
lá no quarto-de-guardados
como quem foge do Cão
sem perceber que o trazias
desde o primeiro vagido
oculto em teu coração,
e por onde quer que fosses,
julgando que te guiavas,
era dele a direcão,
e tudo que amas, iluso
de uma ilusória opção,
é ele que te sugere,
te comanda, sorrateiro,
com seu veneno e ferrão,
de tal sorte que, mordido,
e mordente, na aflição,
de nada valeu, confessa,
fugires de escorpião.
Carlos Drummond de Andrade
lá no quarto-de-guardados
como quem foge do Cão
sem perceber que o trazias
desde o primeiro vagido
oculto em teu coração,
e por onde quer que fosses,
julgando que te guiavas,
era dele a direcão,
e tudo que amas, iluso
de uma ilusória opção,
é ele que te sugere,
te comanda, sorrateiro,
com seu veneno e ferrão,
de tal sorte que, mordido,
e mordente, na aflição,
de nada valeu, confessa,
fugires de escorpião.
Carlos Drummond de Andrade
terça-feira, 6 de outubro de 2009
Ida,108 anos.
Na sala dos professores falávamos sobre fases da vida: paixões - que é fase de vida inteira para muitos -, maturidade, etc.
Um falou sobre a fase da dor, que um dia todos sentiremos dor aqui, dor ali... Eu discordava dessa fase, obrigatória, da dor. O colega que havia puxado a conversa (ao me ver falando sobre o amor e a paixão), concordando comigo, em como tudo é relativo e que cada um é um, contou de uma tia que morreu aos 108 anos sem ter nunca se queixado de dor.
E se teve, alguma, ninguém lembra ou está vivo para contar: ia somando anos como se não fizessem o menor peso, a tia.
Ida, era o nome dela.
Um dia acordou pedindo que colhessem laranjas do pé, queria um suco de verdade - não queria esses de caixinha, artificiais, sem graça, aguados. A neta que estava por ali apanhou, espremeu as laranjas, satisfez a vontade da avó. Ela bebeu tranquila; tranquila agradeceu. Se ajeitou na velha cadeira e, esquecida de tudo que andava, se lembrou de morrer naquela hora.
Levando o gosto bom das laranjas foi, Ida.
Um falou sobre a fase da dor, que um dia todos sentiremos dor aqui, dor ali... Eu discordava dessa fase, obrigatória, da dor. O colega que havia puxado a conversa (ao me ver falando sobre o amor e a paixão), concordando comigo, em como tudo é relativo e que cada um é um, contou de uma tia que morreu aos 108 anos sem ter nunca se queixado de dor.
E se teve, alguma, ninguém lembra ou está vivo para contar: ia somando anos como se não fizessem o menor peso, a tia.
Ida, era o nome dela.
Um dia acordou pedindo que colhessem laranjas do pé, queria um suco de verdade - não queria esses de caixinha, artificiais, sem graça, aguados. A neta que estava por ali apanhou, espremeu as laranjas, satisfez a vontade da avó. Ela bebeu tranquila; tranquila agradeceu. Se ajeitou na velha cadeira e, esquecida de tudo que andava, se lembrou de morrer naquela hora.
Levando o gosto bom das laranjas foi, Ida.
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
Os meninos da rua Paulo
" Nemecsek tirou o chapéu.
- A quem cumprimentaste ? - perguntou-lhe Boka.
- Não há ninguém em toda a rua.
- Cumprimentei ao Senhor Professor Rácz - respondeu baixo o lourinho.
Boka pôs-se a chorar. Apressando-se, arrastava o amiguinho, enquanto a escuridão envolvia a rua.
Entretanto, no grund, Kolnay criou coragem e disse ao homem de barba preta:
- Olhe, esse Nemecsek é um mentiroso. Nós o proclamamos traidor e o expulsamos da sociedade.
O pai, feliz, concordou:
- Não me admira. Não gostei da cara dele: deve ter um peso na consciência.
E foi-se para casa, contente, ansioso de perdoar ao filho. Na esquina da avenida de Üllö ainda viu Boka ajudando Nemecsek a atravessar a rua em frente do Hospital.
A esta altura Nemecsek também estava chorando, com uma tristeza infinita, com toda a amargura de seu coração de soldado raso, e naquele choro febril repetia resmungando, sem parar:
- Escreveram-me o nome todo em minúsculas... coitadinho do meu nome honesto, todo em minúsculas... "
fragmento do romance " Os meninos da rua Paulo", de Ferenc Molnár.
domingo, 4 de outubro de 2009
O FILHO
De quem, de quem o filho
de Sofia?
Do relojoeiro?
Do dentista?
Do primo Augusto?
Do promotor?
Do telegrafista?
Do cabo-comandante
do destacamento?
De um dos praças?
Do padre apóstata?
Quem é o pai, quem é o pai
noturnamente encapuzado
(sequer tem rosto)
do filho anônimo de Sofia?
Nenhum deles visto rondadndo
de Sofia o muro solteiro,
nenhum abrindo de madrugada
a cancela rouca de Sofia.
O pai quem é?
Sofia semilouca de raça ilustre
vai contar quem dormiu
em seu quarto seco de solteirona
e secamente lhe fez o filho?
Vai inventar talvez um pai
que jamais a tenha tocado?
Já se apavoraram os homens bons
com a denúncia?
Ninguém confessa ter conhecido
Sofia em fogo ou violentada,
Sofia pura,
Sofia aberta
ao prazer esperado amargamente?
Ou dormiram todos com Sofia
(o que é mesmo que não dormir),
ninguém tem culpa,
ninguém é o pai?
Pai do menino é a cidade?
A loucura é pai do menino?
O menino nasceu do absurdo
propósito de nascer-se, escolheu
o ventre de Sofia como se escolhesse
vaso sem semente, apenas terra?
Sofia não responde. Ri baixinho,
acaricia o pinto do menino,
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
.............................................
(Um dos melhores??!!! Se ele tivesse escrito só esse poema, só esse - só por esse - já seria o maior e o melhor poeta do mundo! Ele e o Fernando Pessoa.)
de Sofia?
Do relojoeiro?
Do dentista?
Do primo Augusto?
Do promotor?
Do telegrafista?
Do cabo-comandante
do destacamento?
De um dos praças?
Do padre apóstata?
Quem é o pai, quem é o pai
noturnamente encapuzado
(sequer tem rosto)
do filho anônimo de Sofia?
Nenhum deles visto rondadndo
de Sofia o muro solteiro,
nenhum abrindo de madrugada
a cancela rouca de Sofia.
O pai quem é?
Sofia semilouca de raça ilustre
vai contar quem dormiu
em seu quarto seco de solteirona
e secamente lhe fez o filho?
Vai inventar talvez um pai
que jamais a tenha tocado?
Já se apavoraram os homens bons
com a denúncia?
Ninguém confessa ter conhecido
Sofia em fogo ou violentada,
Sofia pura,
Sofia aberta
ao prazer esperado amargamente?
Ou dormiram todos com Sofia
(o que é mesmo que não dormir),
ninguém tem culpa,
ninguém é o pai?
Pai do menino é a cidade?
A loucura é pai do menino?
O menino nasceu do absurdo
propósito de nascer-se, escolheu
o ventre de Sofia como se escolhesse
vaso sem semente, apenas terra?
Sofia não responde. Ri baixinho,
acaricia o pinto do menino,
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
.............................................
(Um dos melhores??!!! Se ele tivesse escrito só esse poema, só esse - só por esse - já seria o maior e o melhor poeta do mundo! Ele e o Fernando Pessoa.)
quinta-feira, 1 de outubro de 2009
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
il pane
Fiz ontem, em pleno domingo, pão. Com linguiça esmigalhada, orégano e azeite, cortes transversais na casquinha dura; dourado, enfarinhado: um verdadeiro pão italiano.
O café da manhã na escola, agradeceu, deliciado.
Junto levei bolo integral, de maçãs. Ninguém reclamou: comeram num silencio cheio de "hums" e, no final, me olharam com um certo respeito no olhar.
(Uma colega perguntou: foi tu mesma que fez, tem certeza?)
O café da manhã na escola, agradeceu, deliciado.
Junto levei bolo integral, de maçãs. Ninguém reclamou: comeram num silencio cheio de "hums" e, no final, me olharam com um certo respeito no olhar.
(Uma colega perguntou: foi tu mesma que fez, tem certeza?)
domingo, 27 de setembro de 2009
sábado, 26 de setembro de 2009
carinhoso
Meu coração, não sei porque
Bate feliz quando te vê
E os meus olhos ficam sorrindo
E pelas ruas vão te seguindo
Mas mesmo assim
Foges de mim
Ah! Se tu soubesses
Como eu sou tão carinhosa
E o muito, muito que te quero
E como é sincero o meu amor
Eu sei que tu não fugirias mais de mim
Vem, vem, vem, vem
Vem sentir o calor dos lábios meus
À procura dos teus
Vem matar essa paixão
Que me devora o coração
E só assim, então
Serei feliz, bem feliz
(Pixinguinha/ João de Barro, e Elis)
.....................................
La prima lezione...
Bate feliz quando te vê
E os meus olhos ficam sorrindo
E pelas ruas vão te seguindo
Mas mesmo assim
Foges de mim
Ah! Se tu soubesses
Como eu sou tão carinhosa
E o muito, muito que te quero
E como é sincero o meu amor
Eu sei que tu não fugirias mais de mim
Vem, vem, vem, vem
Vem sentir o calor dos lábios meus
À procura dos teus
Vem matar essa paixão
Que me devora o coração
E só assim, então
Serei feliz, bem feliz
(Pixinguinha/ João de Barro, e Elis)
.....................................
La prima lezione...
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
terça-feira, 22 de setembro de 2009
primavera
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
domingo, 20 de setembro de 2009
PAURA
Una paura immensa ho sentito oggi: paura di sentire una solitudine così grande ed anche della dolore che no lascia me. Ho sentito una voglia troppo grande di parlare con te. Ho bisogno di parlare con te, di sentire la tua voce, molte volte in questa domenica.
Una domenica di mancanza e dolore.
E paura, paura di impazzire o morire.
È un deserto senza uguale: un vacuo
dentro di me.
Una domenica di mancanza e dolore.
E paura, paura di impazzire o morire.
È un deserto senza uguale: un vacuo
dentro di me.
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
sábado, 12 de setembro de 2009
Wladimir, o passarinheiro
Me acorda, num trinado, um pássaro a cantar na minha janela.
Me liga, triste, minha mãe, de Pelotas, às cinco da tarde: meu tio Wladimir - o que ama passarinhos - piorou.
- Tu endendes, minha filha, que não vou?
- Claro que entendo, mãe, que não vens. É teu irmão, fica com ele.
Está mal o tio, no hospital, com aquela doença que não respeita nem os que amam os passarinhos, nem os puros de alma: ninguém.
Me levanto do sono atrasado, num susto: sinto uma vontade outra de chorar. Gosto desse tio, do cabelo pouco, do olho azul, da risada pequena e doce em meio a fala mansa de erre torcido; do jeito tão calmo, tão bom.
Muita história me contou, de passarinhos, o tio.
(De bigornas, pois era ferreiro, também.)
Me liga, triste, minha mãe, de Pelotas, às cinco da tarde: meu tio Wladimir - o que ama passarinhos - piorou.
- Tu endendes, minha filha, que não vou?
- Claro que entendo, mãe, que não vens. É teu irmão, fica com ele.
Está mal o tio, no hospital, com aquela doença que não respeita nem os que amam os passarinhos, nem os puros de alma: ninguém.
Me levanto do sono atrasado, num susto: sinto uma vontade outra de chorar. Gosto desse tio, do cabelo pouco, do olho azul, da risada pequena e doce em meio a fala mansa de erre torcido; do jeito tão calmo, tão bom.
Muita história me contou, de passarinhos, o tio.
(De bigornas, pois era ferreiro, também.)
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
quando é que vai parar de chover
Será que dói
para chover, o dia?
Em mim,
começa no peito
tranca, em nó, na garganta
e, ardendo, rebenta
nos olhos: a chuva,
a enxurrada.
..................
(scusa se ti amo!)
para chover, o dia?
Em mim,
começa no peito
tranca, em nó, na garganta
e, ardendo, rebenta
nos olhos: a chuva,
a enxurrada.
..................
(scusa se ti amo!)
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
no trem
deixei passar
o aeroporto
deixei, não vi:
uma das que mais gosto
- estação -
de ver
por causa dos aviões
desde pequena gosto
de avião:
tinha um helicóptero
onde me criei
criança,
lá fora
de trem tinha medo, pequena.
Gosto, agora,
de andar em tudo que me leva
pra longe: trem avião
trem metrô
ônibus. E dos meus pés
- de colona -
também gosto
(apesar deles não saberem dançar).
sábado, 5 de setembro de 2009
O Verdadeiro Amor
Tive um verdadeiro amor, que não tinha possibilidades nem futuro nem condição: expectativa nenhuma; expectadores, um milhão, todos duvidando - menos uma, e essa morreu me dizendo que comigo ele estava bem.
O amor, esse, o verdadeiro, nada nem ninguém vai diminuir, ou sequer, fazer sombra: é incondicional, sem igual: pazzo da legare!
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
Em mim, te levo
terça-feira, 1 de setembro de 2009
as meninas
A filha da Lisabete (uma colega, professora de Matemática) , Gabriela, de 7 anos, ao ver algumas obras da Exposição Francesa no Museu de Arte exclamou convicta: "É sul real, mãe!"
Pouco depois a pequena Laura, amiga da Gabi, reconheceu e apontou: "Olha lá o Picasso!"
Sorte dessas duas, que as mães gostam e propiciam arte a elas desde cedo: nos dias de hoje isso também é quase surreal.
Pouco depois a pequena Laura, amiga da Gabi, reconheceu e apontou: "Olha lá o Picasso!"
Sorte dessas duas, que as mães gostam e propiciam arte a elas desde cedo: nos dias de hoje isso também é quase surreal.
ESPERA
segunda-feira, 31 de agosto de 2009
Inimigo
Vou brigar contigo.
Vou apanhar e vou sangrar
mas vou brigar.
Tenho de lutar contigo, tenho
de gritar bem alto nomes feios
que sobem à garganta.
Eles crescerão no ar da rua,
subirão às sacadas dos sobrados
e todos ouvirão.
Fui quem disse. O magricela. O triste.
Tenho de brigar,
rolar no chão contigo, intimamente
abraçados na raiva. Tenho de
a pontapé ferir o teu escroto.
Pouco importa me batas pelo dobro.
Pouco importa me arrases. Meu irmão
não chamo a socorrer-me. Quero ser
o perdedor que ganha de seu medo.
Carlos Drummond de Andrade, in Poesia Completa (BOITEMPO)
..................................
(é isso que eu quero, quase sempre)
Vou apanhar e vou sangrar
mas vou brigar.
Tenho de lutar contigo, tenho
de gritar bem alto nomes feios
que sobem à garganta.
Eles crescerão no ar da rua,
subirão às sacadas dos sobrados
e todos ouvirão.
Fui quem disse. O magricela. O triste.
Tenho de brigar,
rolar no chão contigo, intimamente
abraçados na raiva. Tenho de
a pontapé ferir o teu escroto.
Pouco importa me batas pelo dobro.
Pouco importa me arrases. Meu irmão
não chamo a socorrer-me. Quero ser
o perdedor que ganha de seu medo.
Carlos Drummond de Andrade, in Poesia Completa (BOITEMPO)
..................................
(é isso que eu quero, quase sempre)
sábado, 29 de agosto de 2009
caroline (de porto alegre)
No dia 29 de agosto eu ganhava minha primeira filha, há trinta anos atrás.
Gosto dessa palavra "ganhar" para se referir a filhos; aliás ganhar, quase sempre é bom, filhos, especialmente: são presentes para se amar a vida inteira. E cuidar, mesmo de longe. Querer todo o bem e felicidade possíveis nesse mundo.
Parece que foi ontem, a Caroli pequena, a Caroli recém-nascida, a Caroli falando e rindo sem parar: arteira como ela só!
Domingo passado ficamos, eu a Camila e a Renata, ouvindo uma fita com as vozinhas delas, crianças (da Renata era um balbuciar; a Caroli até cantar, cantou). Me deu uma saudade das três pequenas.
Da Caroli, tenho saudade orgulho admiração.
Queria muito estar com ela, hoje, nesse dia tão importante: estou no pensamento (num abraço).
Ela continua arteira (brejeira) e leva a vida bem vivida em Madri.
.............................................
Feliz Aniversário! Felice Compleanno! Feliz Cumpleaños!
Continua com o sorriso e a morenice que eu pedi a Deus quando tu ainda estavas na minha barriga.
Gosto dessa palavra "ganhar" para se referir a filhos; aliás ganhar, quase sempre é bom, filhos, especialmente: são presentes para se amar a vida inteira. E cuidar, mesmo de longe. Querer todo o bem e felicidade possíveis nesse mundo.
Parece que foi ontem, a Caroli pequena, a Caroli recém-nascida, a Caroli falando e rindo sem parar: arteira como ela só!
Domingo passado ficamos, eu a Camila e a Renata, ouvindo uma fita com as vozinhas delas, crianças (da Renata era um balbuciar; a Caroli até cantar, cantou). Me deu uma saudade das três pequenas.
Da Caroli, tenho saudade orgulho admiração.
Queria muito estar com ela, hoje, nesse dia tão importante: estou no pensamento (num abraço).
Ela continua arteira (brejeira) e leva a vida bem vivida em Madri.
.............................................
Feliz Aniversário! Felice Compleanno! Feliz Cumpleaños!
Continua com o sorriso e a morenice que eu pedi a Deus quando tu ainda estavas na minha barriga.
foto: eu e a caroli no aeroporto de madrid, 2008.
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
terça-feira, 25 de agosto de 2009
ouvidos de ver
Existem pessoas cuja única, ou melhor, forma de ver é ouvir: aquele que eu amo ajuda, com sua voz e sensibilidade, pessoas a ver, ouvindo.
(Podem essas pessoas, através da voz bonita dele, verem peças de teatro inteiras; e filmes também.)
Se eu tivesse só ouvidos para sentir - e mais nada - , talvez ainda pudesse ser feliz.
Porque ele, ainda hoje, me diz coisas impressionantes (e lindas) de se ouvir.
...........................................
(para o Paulo)
(Podem essas pessoas, através da voz bonita dele, verem peças de teatro inteiras; e filmes também.)
Se eu tivesse só ouvidos para sentir - e mais nada - , talvez ainda pudesse ser feliz.
Porque ele, ainda hoje, me diz coisas impressionantes (e lindas) de se ouvir.
...........................................
(para o Paulo)
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
Esse Mar de Lagoinha
Ah, esse mar
me desconcentra, distrai
tenta. Quis ler,
e ele ali na minha frente
- provocante -
depois de tanto tempo
Não leio,
nem tão pouco escrevo: culpa desse mar
de Lagoinha!
.......................................
Floripa, verão de abril 2009
"No entanto não me dá sossego
saber que sós ou juntos somos uma só coisa."
"Eppure non mi dà riposo
sapere che in uno o in due noi siamo una sola cosa."
Eugenio Montale, in POESIAS
me desconcentra, distrai
tenta. Quis ler,
e ele ali na minha frente
- provocante -
depois de tanto tempo
Não leio,
nem tão pouco escrevo: culpa desse mar
de Lagoinha!
.......................................
Floripa, verão de abril 2009
"No entanto não me dá sossego
saber que sós ou juntos somos uma só coisa."
"Eppure non mi dà riposo
sapere che in uno o in due noi siamo una sola cosa."
Eugenio Montale, in POESIAS
terça-feira, 18 de agosto de 2009
IL SOGNO DEL PRIGIONIERO
"L'attesa è lunga,
e il mio sogno di te non è finito."
Eugenio Montale, in POESIAS (fragmento)
......................................................
(A espera é longa, e o meu sonho de ti não tem fim.)
e il mio sogno di te non è finito."
Eugenio Montale, in POESIAS (fragmento)
......................................................
(A espera é longa, e o meu sonho de ti não tem fim.)
domingo, 16 de agosto de 2009
alguns dias
que quatro dias horríveis, que vazio
QUE DOR (esta cidade!)
porque será que alguns dias são assim?
QUE DOR (esta cidade!)
porque será que alguns dias são assim?
terça-feira, 11 de agosto de 2009
Cárcere I
É claro, como a água mais pura, que te odeio - com a mesma intensidade que eu te amo.
Como poderia não te odiar se tu me condenastes à noites e noites de frio - onde as cobertas só pesam e não aquecem.
Fui condenada, logo por ti, à solidão de amor: à falta perene!(Que era o que eu menos queria e merecia na vida!)
Como não te odiar se tu amenizastes a tua pena à custa da minha dor (da alegria, do sono, da paz perdidos)
Olha: bebi um pouco
Tinha uns quatro me querendo
E eu, um só
O tango do Seu Rafael ainda soa dentro dos meus ouvidos
Te odeio ainda mais quando escuto tango,
te amo muito mais quando tango
Odeio ir para a cama sem tango (isso não se faz!)
E o tango toca - dilacerando - dentro e fora de mim: Piazzola!
É claro que odeio tango que amo que odeio amoodeioamo
Odeio! É claro.
Como poderia não te odiar se tu me condenastes à noites e noites de frio - onde as cobertas só pesam e não aquecem.
Fui condenada, logo por ti, à solidão de amor: à falta perene!(Que era o que eu menos queria e merecia na vida!)
Como não te odiar se tu amenizastes a tua pena à custa da minha dor (da alegria, do sono, da paz perdidos)
Olha: bebi um pouco
Tinha uns quatro me querendo
E eu, um só
O tango do Seu Rafael ainda soa dentro dos meus ouvidos
Te odeio ainda mais quando escuto tango,
te amo muito mais quando tango
Odeio ir para a cama sem tango (isso não se faz!)
E o tango toca - dilacerando - dentro e fora de mim: Piazzola!
É claro que odeio tango que amo que odeio amoodeioamo
Odeio! É claro.
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
California
"Guardami ora e dimmi cosa vedi
non è tutto passato
ma il sogno che interrompi non sarà più uguale
quasi senza le stelle
forse è più bello navigare
non c' è niente di perso e che non possa continuare
Siamo noi la california
siamo noi la libertà..."
Gianna Nanini
...............................
(Não há nada de perdido que não possa continuar...)
non è tutto passato
ma il sogno che interrompi non sarà più uguale
quasi senza le stelle
forse è più bello navigare
non c' è niente di perso e che non possa continuare
Siamo noi la california
siamo noi la libertà..."
Gianna Nanini
...............................
(Não há nada de perdido que não possa continuar...)
sábado, 8 de agosto de 2009
Pare Olhe Pense
Queria ser uma pedra,
dessas daqui do Capão do leão,
ou um trilho do trem
Seria um registro em fotos
uma lembrança num canto
E dor nenhuma
Queria ser a umidade cerrada,
meio chuva, meio gelo,
de uma noite em Pelotas
Seria risada à mesa de um bar
Em julho - ou outubro -
nas ruas estreitas (a felicidade)
E dor nenhuma
Queria ser o pinheiro mais alto,
o tambo do leite
a estrada de chão
(e a velha estação abandonada)
Seria só uma lembrança
Queria ser a própria pedreira
(das pedras de cidades tantas, rio grandes,
brasílias; molhes, outros ares).
Seria, então, concreta. Sem dor.
(a não ser que houvesse a dos pedaços arrancados.)
...................................
Maira, Capão do leão.
dessas daqui do Capão do leão,
ou um trilho do trem
Seria um registro em fotos
uma lembrança num canto
E dor nenhuma
Queria ser a umidade cerrada,
meio chuva, meio gelo,
de uma noite em Pelotas
Seria risada à mesa de um bar
Em julho - ou outubro -
nas ruas estreitas (a felicidade)
E dor nenhuma
Queria ser o pinheiro mais alto,
o tambo do leite
a estrada de chão
(e a velha estação abandonada)
Seria só uma lembrança
Queria ser a própria pedreira
(das pedras de cidades tantas, rio grandes,
brasílias; molhes, outros ares).
Seria, então, concreta. Sem dor.
(a não ser que houvesse a dos pedaços arrancados.)
...................................
Maira, Capão do leão.
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
VOU ANDAR POR AÍ
quinta-feira, 6 de agosto de 2009
Ato falho que deu certo
Olhando a galeria de fotos do meu celular, às três da manhã, aperto sem perceber uma tecla errada.
Um pouco mais tarde, antes de dormir, abro o celular: o teu sorrizão e os teus olhos doces (eram doces!) me sorriem.
Durmo sorrindo para o teu sorriso, é inevitável.
Hoje, depois do café, troquei o papel de parede.
Um pouco mais tarde, antes de dormir, abro o celular: o teu sorrizão e os teus olhos doces (eram doces!) me sorriem.
Durmo sorrindo para o teu sorriso, é inevitável.
Hoje, depois do café, troquei o papel de parede.
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
Luz da Lua
Pego uma maçã, sento na rua e olho pro céu: a lua está bem pequena e corre ligeira por entre as nuvens.
Me recosto melhor na cadeira; as nuvens parecem leite talhado no céu.
Olho a lua e ela de repente se agiganta atrás de uma nuvem redonda: fica quase um sol. Eu acho graça.
Fico viajando no céu do meu quintal - uma banda de rock, o Talking Heads, canta no meu ouvido e dança na minha cabeça - enquanto devoro a maçã.
(Não sei se se pode chamar de quintal esse pátio pequeno nos fundos da minha casa: tem bananeira, bergamota, bambú e manjericão. Será que dá para chamar de quintal?).
Não preciso de controle remoto algum para mudar o céu. Em um minuto ele se torna suave, esmaecido como uma aquarela.
Quase me deito na cadeira; penso na vida, no absurdo da vida: penso no Paulo, e ele está tão longe. (Sinto uma falta dele!)
Olho outra vez para o céu e vejo que as nuvens mudaram outra vez. Agora estão compactas, maiores e mais escuras.
E a lua?
A Lua, num clarão, brilha amarela e linda no céu. Sorrio triste.
Enxergo bem aqui fora com a luz da lua. Lá dentro, à luz ruim das lâmpadas fluorescentes, enxergo mal - me incomoda o nevoeiro das cataratas.
Saudade do tempo que eu era só míope e o Paulo me levava pela mão.
(para quem quiser saber de mim: como podem ver, vejo cada vez menos)
Me recosto melhor na cadeira; as nuvens parecem leite talhado no céu.
Olho a lua e ela de repente se agiganta atrás de uma nuvem redonda: fica quase um sol. Eu acho graça.
Fico viajando no céu do meu quintal - uma banda de rock, o Talking Heads, canta no meu ouvido e dança na minha cabeça - enquanto devoro a maçã.
(Não sei se se pode chamar de quintal esse pátio pequeno nos fundos da minha casa: tem bananeira, bergamota, bambú e manjericão. Será que dá para chamar de quintal?).
Não preciso de controle remoto algum para mudar o céu. Em um minuto ele se torna suave, esmaecido como uma aquarela.
Quase me deito na cadeira; penso na vida, no absurdo da vida: penso no Paulo, e ele está tão longe. (Sinto uma falta dele!)
Olho outra vez para o céu e vejo que as nuvens mudaram outra vez. Agora estão compactas, maiores e mais escuras.
E a lua?
A Lua, num clarão, brilha amarela e linda no céu. Sorrio triste.
Enxergo bem aqui fora com a luz da lua. Lá dentro, à luz ruim das lâmpadas fluorescentes, enxergo mal - me incomoda o nevoeiro das cataratas.
Saudade do tempo que eu era só míope e o Paulo me levava pela mão.
(para quem quiser saber de mim: como podem ver, vejo cada vez menos)
terça-feira, 4 de agosto de 2009
ESTOU RECLINADO na poltrona, é tarde, o Verão
apagou-se...
Nem sonho, nem cismo, um torpor alastra em meu
cérebro...
Não existe manhã para o meu torpor nesta hora...
Ontem foi um mau sonho que alguém teve por
mim...
Há uma interrupção lateral na minha consciência...
Continuam encostadas as portas da janela desta
tarde
Apesar de as janelas estarem abertas de par em par...
Sigo sem atenção as minhas sensações sem nexo,
E a personalidade que tenho está entre o corpo e a
alma...
Quem dera que houvesse
Um terceiro estado pra alma, se ela tiver só dois...
Um quarto estado pra alma, se são três os que ela
tem...
A impossibilidade de tudo quanto eu nem chego a
sonhar
Dói-me por detrás das costas da minha consciência
de sentir...
As naus seguiram,
Seguiram viagem não sei em que dia escondido,
E a rota que deviam seguir estava escrita nos ritmos,
Os ritmos perdidos das canções mortas do
marinheiro de sonho...
fragmento do poema "A Casa Branca Nau Preta", Álvaro de Campos.
(eu adoro. Acho lindo demais! Amo esse poema e esse Fernando Pessoa!)
apagou-se...
Nem sonho, nem cismo, um torpor alastra em meu
cérebro...
Não existe manhã para o meu torpor nesta hora...
Ontem foi um mau sonho que alguém teve por
mim...
Há uma interrupção lateral na minha consciência...
Continuam encostadas as portas da janela desta
tarde
Apesar de as janelas estarem abertas de par em par...
Sigo sem atenção as minhas sensações sem nexo,
E a personalidade que tenho está entre o corpo e a
alma...
Quem dera que houvesse
Um terceiro estado pra alma, se ela tiver só dois...
Um quarto estado pra alma, se são três os que ela
tem...
A impossibilidade de tudo quanto eu nem chego a
sonhar
Dói-me por detrás das costas da minha consciência
de sentir...
As naus seguiram,
Seguiram viagem não sei em que dia escondido,
E a rota que deviam seguir estava escrita nos ritmos,
Os ritmos perdidos das canções mortas do
marinheiro de sonho...
fragmento do poema "A Casa Branca Nau Preta", Álvaro de Campos.
(eu adoro. Acho lindo demais! Amo esse poema e esse Fernando Pessoa!)
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
A MISÉRIA do meu ser,
Do ser que tenho a viver,
Tornou-se uma coisa vista.
Sou nesta vida um qualquer
Que roda fora da pista.
Ninguém conhece quem sou.
Nem eu mesmo me conheço,
E, se me conheço, esqueço,
Porque não vivo onde estou.
Rodo, e o meu rodar apresso.
É uma carreira invisível,
Salvo onde caio e sou visto,
Porque cair é sensível
Pelo ruído imprevisto...
Sou assim. Mas isto é crível?
1033 - Fernando Pessoa
.............................
(assim me sinto, muitas vezes,
vivendo onde não estou - com quem não me vê.
Às vezes caio, e me dou conta de mim
Porque me doem os joelhos,
ou os cotovelos,
Ou outra parte de mim!)
Do ser que tenho a viver,
Tornou-se uma coisa vista.
Sou nesta vida um qualquer
Que roda fora da pista.
Ninguém conhece quem sou.
Nem eu mesmo me conheço,
E, se me conheço, esqueço,
Porque não vivo onde estou.
Rodo, e o meu rodar apresso.
É uma carreira invisível,
Salvo onde caio e sou visto,
Porque cair é sensível
Pelo ruído imprevisto...
Sou assim. Mas isto é crível?
1033 - Fernando Pessoa
.............................
(assim me sinto, muitas vezes,
vivendo onde não estou - com quem não me vê.
Às vezes caio, e me dou conta de mim
Porque me doem os joelhos,
ou os cotovelos,
Ou outra parte de mim!)
domingo, 2 de agosto de 2009
MEU CORAÇÃO, isto é, minha cabeça
(Porque não há sentir no coração)
Bate assustado, bate mal, depressa.
Sinto depressa e sinto em vão.
Sei bem: ternura do que nunca foi,
Saudades de um futuro a não haver -
Por tudo isto bate, que lhe dói
Na cabeça, que é o seu ser.
Porque não aprender com a verdade?
Se a cabeça é que sente, o pensamento
Pode bem ser o sentimento que há-de
Livrar-me do meu sentimento.
Fernando Pessoa
......................
(para o meu amor.)
(Porque não há sentir no coração)
Bate assustado, bate mal, depressa.
Sinto depressa e sinto em vão.
Sei bem: ternura do que nunca foi,
Saudades de um futuro a não haver -
Por tudo isto bate, que lhe dói
Na cabeça, que é o seu ser.
Porque não aprender com a verdade?
Se a cabeça é que sente, o pensamento
Pode bem ser o sentimento que há-de
Livrar-me do meu sentimento.
Fernando Pessoa
......................
(para o meu amor.)
CAI AMPLO O FRIO e eu durmo na tardança
De adormecer -
Sou, sem lar, nem conforto, nem esperança,
Nem desejo de os ter.
E um choro por meu ser me inunda
A imaginação.
Saudade vaga, anônima, profunda,
Náusea da indecisão.
Frio do inverno duro, não te tira
Agasalho ou amor.
Dentro em meus ossos teu tremor delira.
Cessa, seja eu quem for!
Fernando Pessoa
De adormecer -
Sou, sem lar, nem conforto, nem esperança,
Nem desejo de os ter.
E um choro por meu ser me inunda
A imaginação.
Saudade vaga, anônima, profunda,
Náusea da indecisão.
Frio do inverno duro, não te tira
Agasalho ou amor.
Dentro em meus ossos teu tremor delira.
Cessa, seja eu quem for!
Fernando Pessoa
sábado, 1 de agosto de 2009
Confidência
sexta-feira, 31 de julho de 2009
CANZONE DELL'UOMO INFEDELE
Il mio uomo è uguale al Signore
il mio uomo è uguale agli dei:
se lui mi tocca
il mio sangue mi scorre rapido
sotto la pelle scura
e sento bramosia d'amore
chiara, infinita, come la parola.
Il mio uomo è una chitarra dolcissima
e io sono la sua canzone
ma lui non mi canta mai,
perchè?
aspetto che la chitarra si rompa
PER VIVERE.
Il mio uomo è uguale agli dei
è uguale a Rilke a Giuda a Savonarola
ma quando lui se denuda
ha il petto villoso come le aquille
e il rostro che ferisce a fondo
allora gli mostro le mie molte ferite
e il mio uomo se ne dimentica
e corre dietro alle facili donne
dalle chiome dorate
perchè lui è un magnifico uomo
perchè lui è un magnifico iddio.
Alda Merini - Poesie Scelte
..................................
CANÇÃO DO HOMEM INFIEL
O meu homem é igual ao Senhor
o meu homem é igual aos deuses
se ele me toca
o meu sangue corre rápido
sob a pele escura
e sinto vontade de amar
clara, infinita, como a palavra.
O meu homem é uma guitarra doce
e eu sou a sua canção
mas ele não me canta mais,
por quê?
espero que a guitarra se rompa
PARA VIVER.
O meu homem é igual aos deuses
é igual a Rilke, a Giuda, a Savonarola
mas quando ele se despe
tem o peito peludo como as águias
e o rosto que fere fundo.
Agora mostro a ele as minhas muitas feridas
e o meu homem as esquece
e corre atrás das mulheres fáceis
de cabelos dourados
porque ele é um homem magnífico
porque ele é um deus magnífico.
................................
Esse poema aí acima é a propósito da pergunta de uma colega tri gente fina (de um projeto novo onde estou começando a trabalhar), que eu não via há três meses
Me perguntou, na reunião de ontem, se nós já estávamos morando juntos: "E aí, já tá morando com ele?"
Me doeu a resposta. Mentirosa, pela metade, que não convence ninguém: "não, não estamos!"
Da segunda pergunta, a resposta foi mais mentirosa, mais pela metade e menos convincente ainda:" não!"
...infinitamente mais dolorida: "ele não está!!!"
(Aquele que me conhece - pelo avesso! De quem sou canção (amor) e flor - sabe qual foi a segunda pergunta.)
il mio uomo è uguale agli dei:
se lui mi tocca
il mio sangue mi scorre rapido
sotto la pelle scura
e sento bramosia d'amore
chiara, infinita, come la parola.
Il mio uomo è una chitarra dolcissima
e io sono la sua canzone
ma lui non mi canta mai,
perchè?
aspetto che la chitarra si rompa
PER VIVERE.
Il mio uomo è uguale agli dei
è uguale a Rilke a Giuda a Savonarola
ma quando lui se denuda
ha il petto villoso come le aquille
e il rostro che ferisce a fondo
allora gli mostro le mie molte ferite
e il mio uomo se ne dimentica
e corre dietro alle facili donne
dalle chiome dorate
perchè lui è un magnifico uomo
perchè lui è un magnifico iddio.
Alda Merini - Poesie Scelte
..................................
CANÇÃO DO HOMEM INFIEL
O meu homem é igual ao Senhor
o meu homem é igual aos deuses
se ele me toca
o meu sangue corre rápido
sob a pele escura
e sinto vontade de amar
clara, infinita, como a palavra.
O meu homem é uma guitarra doce
e eu sou a sua canção
mas ele não me canta mais,
por quê?
espero que a guitarra se rompa
PARA VIVER.
O meu homem é igual aos deuses
é igual a Rilke, a Giuda, a Savonarola
mas quando ele se despe
tem o peito peludo como as águias
e o rosto que fere fundo.
Agora mostro a ele as minhas muitas feridas
e o meu homem as esquece
e corre atrás das mulheres fáceis
de cabelos dourados
porque ele é um homem magnífico
porque ele é um deus magnífico.
................................
Esse poema aí acima é a propósito da pergunta de uma colega tri gente fina (de um projeto novo onde estou começando a trabalhar), que eu não via há três meses
Me perguntou, na reunião de ontem, se nós já estávamos morando juntos: "E aí, já tá morando com ele?"
Me doeu a resposta. Mentirosa, pela metade, que não convence ninguém: "não, não estamos!"
Da segunda pergunta, a resposta foi mais mentirosa, mais pela metade e menos convincente ainda:" não!"
...infinitamente mais dolorida: "ele não está!!!"
(Aquele que me conhece - pelo avesso! De quem sou canção (amor) e flor - sabe qual foi a segunda pergunta.)
quinta-feira, 30 de julho de 2009
quarta-feira, 29 de julho de 2009
Das Pedras
Ajuntei todas as pedras
que vieram sobre mim
Levantei uma escada muito alta
e no alto subi.
Teci um tapete floreado
e no sonho me perdi.
Uma estrada,
um leito,
uma casa,
um companheiro.
Tudo de pedra.
Entre pedras
cresceu a minha poesia.
Minha vida...
Quebrando pedras
e plantando flores.
Entre pedras que me esmagavam
Levantei a pedra rude
dos meus versos.
Cora Coralina, in Poema da Noite.
....................................
(para mim...)
que vieram sobre mim
Levantei uma escada muito alta
e no alto subi.
Teci um tapete floreado
e no sonho me perdi.
Uma estrada,
um leito,
uma casa,
um companheiro.
Tudo de pedra.
Entre pedras
cresceu a minha poesia.
Minha vida...
Quebrando pedras
e plantando flores.
Entre pedras que me esmagavam
Levantei a pedra rude
dos meus versos.
Cora Coralina, in Poema da Noite.
....................................
(para mim...)
terça-feira, 28 de julho de 2009
GOZO
tuas mãos
percorrem, hábeis,
todas
minhas curvas estações
Chegamos, depois
de múltiplas paradas,
juntos ao final.
(per te!)
percorrem, hábeis,
todas
minhas curvas estações
Chegamos, depois
de múltiplas paradas,
juntos ao final.
(per te!)
segunda-feira, 27 de julho de 2009
Quando cadde la bomba
(o meglio, quando qualcuno la gettò)
il corpo fu smembrato
"orrendamente" - scrissero i giornalli.
Fu allora che me dissero:
se tu riunisci i pezzi
l´anima tornerá
Marina Mariani (in, POESIE SCELTE
- Poeti Italiani Contemporane)
...............................
Quando cai a bomba
(ou melhor, quando alguém a atira)
o corpo é desmembrado
"horrivelmente" - escrevem os jornais
Foi então que me disseram
se reunires os pedaços
a alma voltará
..................................
(o meglio, quando qualcuno la gettò)
il corpo fu smembrato
"orrendamente" - scrissero i giornalli.
Fu allora che me dissero:
se tu riunisci i pezzi
l´anima tornerá
Marina Mariani (in, POESIE SCELTE
- Poeti Italiani Contemporane)
...............................
Quando cai a bomba
(ou melhor, quando alguém a atira)
o corpo é desmembrado
"horrivelmente" - escrevem os jornais
Foi então que me disseram
se reunires os pedaços
a alma voltará
..................................
domingo, 26 de julho de 2009
Corre, Bárbara, corre
Percebi, surpresa, que quando corro, esqueço da desesperança (para não dizer desespero) em que me encontro.
E aqueles motivos para correr, que normalmente as pessoas não gostam e muitas vezes temem, passaram a ser para mim, motivos de prazer. Pelo alívio, esquecimento ou leveza - de alma - que me podem dar.
Corre, Bárbara, corre: foge da tua dor!
Corre para o õnibus, para o trem.
Corre para não se atrasar.
Corre para o bar - ouvir música, ver gente.
Corre de medo de ladrão - de madrugada quando chegas.
Corre, por correr: para lugar nenhum (não te dói mais o lado direito - doía antes, como se fosse a vesícula - investiguei; fiz até uns exames bem delicados: minha vesícula está ótima.) agora que não dói mais lado nenhum. A não ser o lado esquerdo, onde se aloja a alma: esse dói toda a dor. Não sei quando vai parar.
Talvez se eu correr muito; talvez se eu correr até a Espanha (até Vigo. Não, até Vigo, não!) ou até a Itália - lá no calcanhar - pare de doer, a falta que tu me faz.
........................................................
(Um dia vi um filme: "Corre, Lola, corre". Gostei muito. Gostamos.)
E aqueles motivos para correr, que normalmente as pessoas não gostam e muitas vezes temem, passaram a ser para mim, motivos de prazer. Pelo alívio, esquecimento ou leveza - de alma - que me podem dar.
Corre, Bárbara, corre: foge da tua dor!
Corre para o õnibus, para o trem.
Corre para não se atrasar.
Corre para o bar - ouvir música, ver gente.
Corre de medo de ladrão - de madrugada quando chegas.
Corre, por correr: para lugar nenhum (não te dói mais o lado direito - doía antes, como se fosse a vesícula - investiguei; fiz até uns exames bem delicados: minha vesícula está ótima.) agora que não dói mais lado nenhum. A não ser o lado esquerdo, onde se aloja a alma: esse dói toda a dor. Não sei quando vai parar.
Talvez se eu correr muito; talvez se eu correr até a Espanha (até Vigo. Não, até Vigo, não!) ou até a Itália - lá no calcanhar - pare de doer, a falta que tu me faz.
........................................................
(Um dia vi um filme: "Corre, Lola, corre". Gostei muito. Gostamos.)
sábado, 25 de julho de 2009
tudo é possível para quem escreve
escritores
(inventam histórias:
vidas, pessoas)
inventam amores
(alguém me perguntou, depois de ler a crônica sobre ele, se eu tinha inventado o Jairo Klein!!!)
(inventam histórias:
vidas, pessoas)
inventam amores
(alguém me perguntou, depois de ler a crônica sobre ele, se eu tinha inventado o Jairo Klein!!!)
sexta-feira, 24 de julho de 2009
pouco me importa ele
pouco me importa
o que ele faz
(se escreve!)
Se está vivo,
ou, se já morreu.
Me importo
com as promessas de cama e mesa
Com o frio,
com a alma (a pesar):
de vazio tamanho.
...............................
(para o Paulo)
o que ele faz
(se escreve!)
Se está vivo,
ou, se já morreu.
Me importo
com as promessas de cama e mesa
Com o frio,
com a alma (a pesar):
de vazio tamanho.
...............................
(para o Paulo)
quinta-feira, 23 de julho de 2009
freddo
quarta-feira, 22 de julho de 2009
terça-feira, 21 de julho de 2009
TREM-BALA
a tua ausência
é atropelo de trem-bala
da locomotiva
ao último vagão
despedaça por completo
só não mata.
Cezar Dias
é atropelo de trem-bala
da locomotiva
ao último vagão
despedaça por completo
só não mata.
Cezar Dias
sexta-feira, 17 de julho de 2009
FALHEI. Os astros seguem seu caminho.
Minha alma, outrora um universo meu
É hoje, sei, um lúgubre escaninho
De consciência sob a morte e o céu.
Falhei.Quem sou vive só de supô-lo.
O que tive por meu ou por haver
Fica sempre entre um pólo e outro pólo
Do que me nunca há-de pertencer.
Falhei. Enfim! Consegui ser quem sou,
O que é já nada, como a lenha velha
Onde, pois não valho senão quanto dou,
Pegarei facilmente uma centelha.
Fernando Pessoa, in POESIA (1-11-1033)
Minha alma, outrora um universo meu
É hoje, sei, um lúgubre escaninho
De consciência sob a morte e o céu.
Falhei.Quem sou vive só de supô-lo.
O que tive por meu ou por haver
Fica sempre entre um pólo e outro pólo
Do que me nunca há-de pertencer.
Falhei. Enfim! Consegui ser quem sou,
O que é já nada, como a lenha velha
Onde, pois não valho senão quanto dou,
Pegarei facilmente uma centelha.
Fernando Pessoa, in POESIA (1-11-1033)
quinta-feira, 16 de julho de 2009
Como é bonito o Jairo Klein!
Fiquei sabendo que tinha um sarau poético-musical na Casa de Cultura: algo de assombração ou sobrenatural, do Mário Quintana, com entrada gratuita.
(De graça é bom quando se está durissíma como eu!)
Via de regra não gosto destes saraus - mesmo amando música e poesia - porque acho, quase sempre, monótonos. No entanto, quando vi o nome Jairo Klein, prontamente marquei na minha agenda: 16 de julho, às dezenove horas. Estava louca para ver esse ator de novo: adoro esse cara!
A primeira vez que o vi - há alguns anos - fazia uma performance muito boa do Fernando Pessoa, ele mesmo, e seus heterônimos (isso já era motivo suficiente para, eu e o Paulo, gostarmos dele).
Pra falar a verdade sei quase nada do Jairo, sei que é um ator conhecido e que associei o nome dele ao do maior poeta do mundo: Fernando Pessoa. Para mim o que importa mesmo é que vou com a cara dele, e ponto. Sei que ele é afetuoso e viajante. Me parece muito generoso, muito gente!
Fui à Casa de Cultura para vê-lo e não me arrependi nem um segundo, nem que ele trocasse todas as palavras dos poemas, me importaria. Ele tem uma presença encantadora no palco: algo de Morrisey, algo de anjo. Com força, fragilidade e beleza na medida.
No final, ao cumprimentá-lo, ele me deu, além de um abraço carinhoso - para a minha surpresa e alegria - endereços eletrônicos (email, blog) e o telefone de casa para combinarmos um café (ou um bar) num dia desses: quando ele voltar da viagem a Portugal.
(De graça é bom quando se está durissíma como eu!)
Via de regra não gosto destes saraus - mesmo amando música e poesia - porque acho, quase sempre, monótonos. No entanto, quando vi o nome Jairo Klein, prontamente marquei na minha agenda: 16 de julho, às dezenove horas. Estava louca para ver esse ator de novo: adoro esse cara!
A primeira vez que o vi - há alguns anos - fazia uma performance muito boa do Fernando Pessoa, ele mesmo, e seus heterônimos (isso já era motivo suficiente para, eu e o Paulo, gostarmos dele).
Pra falar a verdade sei quase nada do Jairo, sei que é um ator conhecido e que associei o nome dele ao do maior poeta do mundo: Fernando Pessoa. Para mim o que importa mesmo é que vou com a cara dele, e ponto. Sei que ele é afetuoso e viajante. Me parece muito generoso, muito gente!
Fui à Casa de Cultura para vê-lo e não me arrependi nem um segundo, nem que ele trocasse todas as palavras dos poemas, me importaria. Ele tem uma presença encantadora no palco: algo de Morrisey, algo de anjo. Com força, fragilidade e beleza na medida.
No final, ao cumprimentá-lo, ele me deu, além de um abraço carinhoso - para a minha surpresa e alegria - endereços eletrônicos (email, blog) e o telefone de casa para combinarmos um café (ou um bar) num dia desses: quando ele voltar da viagem a Portugal.
quarta-feira, 15 de julho de 2009
um livro muito especial
Me pediram, hoje à tarde, para que eu ficasse um pouco com uma turma de quarto ano, enquanto a professora resolvia uns assuntos com a orientação da escola.
Quando cheguei na sala, que fica no segundo piso, a porta estava fechada. A voz firme da professora Leonor me fez parar antes de bater: ensinava matemática aos alunos. A aula estava tão boa que resolvi esperar um pouco.
Depois de alguns minutos bati à porta. Leonor falou aos alunos que estavam em meio a uma explicação importante, logo, ela não iria deixar nenhuma atividade outra para eles; que eles se comportassem, que ela não queria queixa alguma... e, sem banheiro!
Eu, carregava comigo um livro de crônicas; resolvi, então, contar-lhes uma história. Escolhi a que dava título ao livro: de um cão chamado Shark, um bull terrier que levou uma facada nas costas ao atacar alguém que tinha ajudado a criá-lo.
As crianças adoraram e quando souberam que o texto era de um namorado meu, que a história era de verdade e tinha acontecido na minha cozinha, ficaram muito curiosos. Queriam saber se as outras histórias do livro eram também do " meu namorado" (disse que era "ex", eles não me deram ouvidos: estavam tão próximos do escritor e dos personagens, que eu não quis quebrar o encanto...) e, o melhor de tudo, se tinha aquele livro na biblioteca?
A coisa não parou aí. Na hora do recreio, me surpreendi mais ainda. Um dos alunos daquela turma se aproximou e disse com ar importante: "Gostei da história! Vamos até a biblioteca, ver se tem lá!"
Fui com ele; reviramos a biblioteca da escola à cata do dito livro: não tinha.
Com recomendações de todo cuidado, emprestei-lhe o meu. E que me devolvesse sem demora, porque esse é um livro muito especial.
Acho que plantei uma sementinha - a da curiosidade de ler - não só no pequeno Ruan, mas em toda a Turma 43. Por conta disso, ganhei a tarde - o dia - e uns beijos a mais.
Quando cheguei na sala, que fica no segundo piso, a porta estava fechada. A voz firme da professora Leonor me fez parar antes de bater: ensinava matemática aos alunos. A aula estava tão boa que resolvi esperar um pouco.
Depois de alguns minutos bati à porta. Leonor falou aos alunos que estavam em meio a uma explicação importante, logo, ela não iria deixar nenhuma atividade outra para eles; que eles se comportassem, que ela não queria queixa alguma... e, sem banheiro!
Eu, carregava comigo um livro de crônicas; resolvi, então, contar-lhes uma história. Escolhi a que dava título ao livro: de um cão chamado Shark, um bull terrier que levou uma facada nas costas ao atacar alguém que tinha ajudado a criá-lo.
As crianças adoraram e quando souberam que o texto era de um namorado meu, que a história era de verdade e tinha acontecido na minha cozinha, ficaram muito curiosos. Queriam saber se as outras histórias do livro eram também do " meu namorado" (disse que era "ex", eles não me deram ouvidos: estavam tão próximos do escritor e dos personagens, que eu não quis quebrar o encanto...) e, o melhor de tudo, se tinha aquele livro na biblioteca?
A coisa não parou aí. Na hora do recreio, me surpreendi mais ainda. Um dos alunos daquela turma se aproximou e disse com ar importante: "Gostei da história! Vamos até a biblioteca, ver se tem lá!"
Fui com ele; reviramos a biblioteca da escola à cata do dito livro: não tinha.
Com recomendações de todo cuidado, emprestei-lhe o meu. E que me devolvesse sem demora, porque esse é um livro muito especial.
Acho que plantei uma sementinha - a da curiosidade de ler - não só no pequeno Ruan, mas em toda a Turma 43. Por conta disso, ganhei a tarde - o dia - e uns beijos a mais.
terça-feira, 14 de julho de 2009
Não: nada quero, nada vou querer.
Só o silêncio, que me dói saber
Que nada sou nem quero, me vem dar
A sensação de nada desejar.
Bem sei: há rosas em jardins de alguém;
No alto do céu a lua brilha bem;
O amor é jovem sempre, e o fado mudo.
Mas nada quero, pois negar é tudo.
Talvez que noutro clima do mistério,
Sob outro signo de outro ser sidério,
Se me abra a porta ou se me mostre a estrada...
Neste momento só não quero nada.
Fernando Pessoa, in POESIA (1931 - 1935).
Só o silêncio, que me dói saber
Que nada sou nem quero, me vem dar
A sensação de nada desejar.
Bem sei: há rosas em jardins de alguém;
No alto do céu a lua brilha bem;
O amor é jovem sempre, e o fado mudo.
Mas nada quero, pois negar é tudo.
Talvez que noutro clima do mistério,
Sob outro signo de outro ser sidério,
Se me abra a porta ou se me mostre a estrada...
Neste momento só não quero nada.
Fernando Pessoa, in POESIA (1931 - 1935).
segunda-feira, 13 de julho de 2009
me dei um livro
Me dei um livro de presente: um livro de poesias chamado POESIA!
Quer um livro de poesias melhor, do que um chamado POESIA do Fernando Pessoa!?!
Me dei. Para mim, e para ti. (No começo e no fim, poesia): do poeta maior.
..................................................
TENHO ESPERANÇA? Não tenho.
Tenho vontade de a ter?
Não sei. Ignoro a que venho,
Quero dormir e esquecer.
Se houvesse um bálsamo da alma,
Que nos fizesse sossegar,
Cair numa qualquer calma
Em que, sem sequer pensar,
Pudéssemos ver toda a vida,
Pensar todo o pensamento -
Então...
Fernando Pessoa - in POESIA (1931 - 1935 e não datada)
Quer um livro de poesias melhor, do que um chamado POESIA do Fernando Pessoa!?!
Me dei. Para mim, e para ti. (No começo e no fim, poesia): do poeta maior.
..................................................
TENHO ESPERANÇA? Não tenho.
Tenho vontade de a ter?
Não sei. Ignoro a que venho,
Quero dormir e esquecer.
Se houvesse um bálsamo da alma,
Que nos fizesse sossegar,
Cair numa qualquer calma
Em que, sem sequer pensar,
Pudéssemos ver toda a vida,
Pensar todo o pensamento -
Então...
Fernando Pessoa - in POESIA (1931 - 1935 e não datada)
domingo, 12 de julho de 2009
pau de chuva
Os pais do namorado de minha filha, Camila, que estão no Brasil, vieram hoje nos visitar.
Após o jantar fomos todos, sem pensar duas vezes - porque o frio intenso exigia - para perto da pequena lareira, repartir nossas histórias.
Enquanto conversávamos eu comecei a manusear um ojeto (de cana de bambu), que trouxe de Florianópolis no verão de uns anos atrás.
.........................................................................
Francisco, o pai, aos sessenta anos, nunca tinha visto um pau de chuva, esse objeto artesanal, feito de bambu, que imita o som da chuva e que se usa como instrumento de percussão: ficou encantado como uma criança e fez chover durante um bom tempo na minha sala.
Julia, disse, quase duvidando da ignorância do marido: " Tu vives nas nuvens de Quito! "
Para completar, ele perguntou se aquilo crescia em árvores...
A risada foi uma só.
Após o jantar fomos todos, sem pensar duas vezes - porque o frio intenso exigia - para perto da pequena lareira, repartir nossas histórias.
Enquanto conversávamos eu comecei a manusear um ojeto (de cana de bambu), que trouxe de Florianópolis no verão de uns anos atrás.
.........................................................................
Francisco, o pai, aos sessenta anos, nunca tinha visto um pau de chuva, esse objeto artesanal, feito de bambu, que imita o som da chuva e que se usa como instrumento de percussão: ficou encantado como uma criança e fez chover durante um bom tempo na minha sala.
Julia, disse, quase duvidando da ignorância do marido: " Tu vives nas nuvens de Quito! "
Para completar, ele perguntou se aquilo crescia em árvores...
A risada foi uma só.
sábado, 11 de julho de 2009
faltando um pedaço
Depois de me entorpecer de Jazz, num bar do centro da cidade, descobri lá pelas três da manhã conversando com um amigo, que o Chet Baker, aquele trumpetista maravilhoso, que era chamado de baby face - por ter feições delicadas e bonitas - um dia numa briga feia, de bebedeira, perdeu, além da beleza, todos ou quase todos os dentes.
Teve que reaprender a tocar.
Conseguiu, mas sem a perfeição de antes: tinha, então, limitações.
Aprendeu a viver e a tocar desse modo.
Me parece que eu, assim como ele, vou ter que reaprender a viver faltando um pedaço vital: aquele que dava sustento à alma. Que punha viço na flor e um riso, sempre pronto, na boca.
Teve que reaprender a tocar.
Conseguiu, mas sem a perfeição de antes: tinha, então, limitações.
Aprendeu a viver e a tocar desse modo.
Me parece que eu, assim como ele, vou ter que reaprender a viver faltando um pedaço vital: aquele que dava sustento à alma. Que punha viço na flor e um riso, sempre pronto, na boca.
O VENTO tem variedade
Nas formas de parecer.
Se vens dizer-me a verdade,
Porque é que ma vens dizer?
Verdades, quem é que as quer?
Se a vida é o que é,
Então está bem o que está.
Para que ir pé ante pé
Até ontem e até já
E até onde nada há?
Enrola o cordão à roda
Do teu dedo sem razão.
Tudo é uma espécie de moda
E acaba na ocasião.
Desenrola esse cordão!
Fernando Pessoa - in POESIA 1931 -1935
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( para o Paulo.)
Nas formas de parecer.
Se vens dizer-me a verdade,
Porque é que ma vens dizer?
Verdades, quem é que as quer?
Se a vida é o que é,
Então está bem o que está.
Para que ir pé ante pé
Até ontem e até já
E até onde nada há?
Enrola o cordão à roda
Do teu dedo sem razão.
Tudo é uma espécie de moda
E acaba na ocasião.
Desenrola esse cordão!
Fernando Pessoa - in POESIA 1931 -1935
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( para o Paulo.)
quinta-feira, 9 de julho de 2009
quarta-feira, 8 de julho de 2009
coisas de mulher
Hoje fui a um ginecologista - esse médico que trata das partes mais intimas da mulher - que eu não conhecia: um ótimo profissional e, além disso, um gentleman, conforme a opinião, que prezo, de uma colega, a Nara.
Tive uma primeira impressão muito boa do tal médico.
Após me examinar ele comentou que o útero estava intacto e bem pequeno, o que é um bom sinal. E a vagina, tranquila.
Achei graça: se ele soubesse o quão é o contrário disso, essa parte do meu corpo que não se acomoda - e quer sempre todo prazer que lhe é de direito por natureza. (Inclusive, do parto normal!)
Ele me deu razão quando lhe disse que as mulheres todas deveriam usar mais vestido e menos calças...
Aprovou, certamente, esse meu hábito cigano. Ah, e o sabão de glicerina, também.
Tive uma primeira impressão muito boa do tal médico.
Após me examinar ele comentou que o útero estava intacto e bem pequeno, o que é um bom sinal. E a vagina, tranquila.
Achei graça: se ele soubesse o quão é o contrário disso, essa parte do meu corpo que não se acomoda - e quer sempre todo prazer que lhe é de direito por natureza. (Inclusive, do parto normal!)
Ele me deu razão quando lhe disse que as mulheres todas deveriam usar mais vestido e menos calças...
Aprovou, certamente, esse meu hábito cigano. Ah, e o sabão de glicerina, também.
segunda-feira, 6 de julho de 2009
Hora da sesta
Hora boa a da sesta. Para os pais, hora de descanso, de dormir ou de, não raro, fazer filhos. Para nós, a hora mais esperada do dia. Antes de se recolherem, os pais, inocentes, ainda alertavam: "não façam arte!" As crianças sacudiam energicamente a cabeça, concordando. E iam, sem culpa, aproveitar a liberdade passageira. Nos encontrávamos, sem combinação prévia, eu, meu irmão Paulo, e nossos primos, Amanda, Cláudio e Marina. Todos sonolentos, o almoço ainda pesando nos estômagos. Íamos para a parte de trás da casa e, preguiçosos como os gatos que cochilavam ao sol, arquitetávamos nossos planos. Aonde iríamos hoje - quem assaltaríamos? A despensa do tio Eugenio estava lotada de bolachas, feitas na véspera, para o Natal – pinheiros, papais-noéis e estrelas – cobertas com glacê, branquinho, de açúcar e confeitos coloridos. Só de lembrar dava água na boca.
E as compotas de pêssego que meu pai fazia, que delícia! Se pegássemos umas poucas e esparramássemos as demais pelas prateleiras, ele nem notaria, tantas eram.
Mas o que eu gostava mesmo era dos pepinos e cebolas em conserva; gosto um tanto inesperado em crianças, mas comum nos pequenos colonos.
Ah! Tinha ainda as lingüiças e os torresmos da casa da Marina. E no pomar do tio Eugênio, todas as cores e aromas: morangos, pêras d’água, bergamotas, laranjas de umbigo, romãs, araçás. Com tantas opções ficava difícil escolher onde ir primeiro.
Mas mesmo crianças tinhamos as nossas próprias leis: a decisão da maioria seria respeitada. Essa era a nossa regra número um. A segunda, era nunca deixar que nos descobrissem.
Só o Mano, empregado do primo Ervino é que sabia das nossas travessuras diárias (e de certa forma, nos cuidava). Fazia a sesta à moda dos mexicanos, com um chapéu protegendo-o do sol forte de depois do meio-dia. Cochilava ali mesmo na calçada da venda, encostado à parede, e, volta e meia, nos espiava através da aba esburacada do enorme sombreiro.
Na boca um tímido sorriso de aprovação.
.................................
(Esse texto, encontrei perdido no meu computador, junto com um haikai do Paulo: é de 2000!)
E as compotas de pêssego que meu pai fazia, que delícia! Se pegássemos umas poucas e esparramássemos as demais pelas prateleiras, ele nem notaria, tantas eram.
Mas o que eu gostava mesmo era dos pepinos e cebolas em conserva; gosto um tanto inesperado em crianças, mas comum nos pequenos colonos.
Ah! Tinha ainda as lingüiças e os torresmos da casa da Marina. E no pomar do tio Eugênio, todas as cores e aromas: morangos, pêras d’água, bergamotas, laranjas de umbigo, romãs, araçás. Com tantas opções ficava difícil escolher onde ir primeiro.
Mas mesmo crianças tinhamos as nossas próprias leis: a decisão da maioria seria respeitada. Essa era a nossa regra número um. A segunda, era nunca deixar que nos descobrissem.
Só o Mano, empregado do primo Ervino é que sabia das nossas travessuras diárias (e de certa forma, nos cuidava). Fazia a sesta à moda dos mexicanos, com um chapéu protegendo-o do sol forte de depois do meio-dia. Cochilava ali mesmo na calçada da venda, encostado à parede, e, volta e meia, nos espiava através da aba esburacada do enorme sombreiro.
Na boca um tímido sorriso de aprovação.
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(Esse texto, encontrei perdido no meu computador, junto com um haikai do Paulo: é de 2000!)
sexta-feira, 3 de julho de 2009
quinta-feira, 2 de julho de 2009
Bebe Revolvió
Por qué fue suficiente
Hablarle con los ojos
Desde allí
Si en ese mismo instante
Su vida era tranquila
Y feliz
La vino a revolver
Con bollitos y miel
Mareas en la tierra
El cielo iba cubriéndose de gris
Porque salió en torrente
El miedo y las ganas de sentir
Y quiso saborear
La masa de su pan
Revolvió su calor, con su voz
Con leche y azúcar se lo dio a beber
Moldeó el corazón,la razón
Con unos besos de ron y miel
Horneó con su aliento su pelo
Y caramelo parecía al terminar
Y quiso saborear
La masa de su pan
Escríbele canciones
Envíale tu voz donde él esté
Nadando por su almohada
Le vino a visitar en sueños él
La vino a revolver
Y se dejó hacer
Estampidas en la tierra
El cielo iba tiñéndose marfil
Porque brotó en torrente
El verbo y las ganas de sentir
Y pudo saborear
La masa de su pan
Revolvió, su calor, con su voz
Con leche y azúcar se lo dio
Pafuera Telaraña
.......................
(da Caroli, de Madri, no meu aniversário.) Gracias, hija. "La masa de su pan..." Me fez chorar!
Mãos, farinha, massa de pão: uma crônica!
Quantos pães. Todos pães. Qualquer pão. Pãozinho, pizza, cuca, pão: de aveia, mel, de aipim, de queijo, de linguiça, folhado (de canela e passas), de triguilho, de inhame, de batata, de banana. Integral, branco, pãozinho de maçã, pão para couvert. Pão nosso de cada dia. Benditos pães, que nunca me negam o prazer de bemfazê-los.
Hablarle con los ojos
Desde allí
Si en ese mismo instante
Su vida era tranquila
Y feliz
La vino a revolver
Con bollitos y miel
Mareas en la tierra
El cielo iba cubriéndose de gris
Porque salió en torrente
El miedo y las ganas de sentir
Y quiso saborear
La masa de su pan
Revolvió su calor, con su voz
Con leche y azúcar se lo dio a beber
Moldeó el corazón,la razón
Con unos besos de ron y miel
Horneó con su aliento su pelo
Y caramelo parecía al terminar
Y quiso saborear
La masa de su pan
Escríbele canciones
Envíale tu voz donde él esté
Nadando por su almohada
Le vino a visitar en sueños él
La vino a revolver
Y se dejó hacer
Estampidas en la tierra
El cielo iba tiñéndose marfil
Porque brotó en torrente
El verbo y las ganas de sentir
Y pudo saborear
La masa de su pan
Revolvió, su calor, con su voz
Con leche y azúcar se lo dio
Pafuera Telaraña
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(da Caroli, de Madri, no meu aniversário.) Gracias, hija. "La masa de su pan..." Me fez chorar!
Mãos, farinha, massa de pão: uma crônica!
Quantos pães. Todos pães. Qualquer pão. Pãozinho, pizza, cuca, pão: de aveia, mel, de aipim, de queijo, de linguiça, folhado (de canela e passas), de triguilho, de inhame, de batata, de banana. Integral, branco, pãozinho de maçã, pão para couvert. Pão nosso de cada dia. Benditos pães, que nunca me negam o prazer de bemfazê-los.
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foto by Caroli: eu, com a mão na massa - casa do Urso - Madri.
quarta-feira, 1 de julho de 2009
aniversário
Com fraturas não expostas e feridas que não fecham, fiz, hoje, aniversário.
(A vida começa quando se nasce - ou nove meses antes.
E aos quarenta, aos vinte e cinco - aos trinta e oito -
em qualquer idade começa.
e quando é que acaba a vida?)
Fui para o trabalho e voltei para casa, como se fosse um dia qualquer; e é (menos para mim, o Leandro, e tantas outras pessoas que nasceram no primeiro dia do mes de julho).
.......................................
Conheci Leandro na fila do direto das onze.
Ele se virou para mim e perguntou o meu nome.
Depois me disse (cheio do trago que estava),
"com todo o respeito, moça, você é muito simpática, bonita."
Me mostrou uma lata grande de cerveja escondida sob o casaco
e se saiu com mais esta: "Hoje tudo é festa, é meu aniversário!"
Nem pude acreditar!
Fiquei quieta no meu aniversário sem festa, sem parabéns pra você,
sem pão-de-ló, sem Presentes; com parcos abraços e beijos.
Feliz aniversário Leandro.
(A vida começa quando se nasce - ou nove meses antes.
E aos quarenta, aos vinte e cinco - aos trinta e oito -
em qualquer idade começa.
e quando é que acaba a vida?)
Fui para o trabalho e voltei para casa, como se fosse um dia qualquer; e é (menos para mim, o Leandro, e tantas outras pessoas que nasceram no primeiro dia do mes de julho).
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Conheci Leandro na fila do direto das onze.
Ele se virou para mim e perguntou o meu nome.
Depois me disse (cheio do trago que estava),
"com todo o respeito, moça, você é muito simpática, bonita."
Me mostrou uma lata grande de cerveja escondida sob o casaco
e se saiu com mais esta: "Hoje tudo é festa, é meu aniversário!"
Nem pude acreditar!
Fiquei quieta no meu aniversário sem festa, sem parabéns pra você,
sem pão-de-ló, sem Presentes; com parcos abraços e beijos.
Feliz aniversário Leandro.
domingo, 28 de junho de 2009
OBERON
O nome não é a pessoa, mas minha vida seria completamente diferente se eu me chamasse, por exemplo, Oberon. Oberon Frenegaz de Hoz e Malgavia. Para começar, jamais teria dificuldade em reservar mesa em restaurantes.
- Es para Oberon Frenegaz de Hoz e Malgavia de Soler e Pantajas.
Uma pausa e o arremate:
- Tercero.
- Sim senhor. Uma mesa para quantos?
- Dez. Estarei sozinho.
Sim, porque, com um nome assim, mesmo sozinho você é um cortejo.
O nome que escolhemos, ao contrário do nome que nos dão, revela a idéia que fazemos de nós mesmos e os projetos secretos que sempre tivemos para nossas vidas e o nome dado impedia. Quem escolhe se chamar Oberon é porque tem ambições de Oberon. Planos de Oberon. Que, obviamente, boas coisas não podem ser. Minha mulher não entenderia.
- Mas Luis Fernando...
- Oberon.
- Mas Oberon... Esse bigode. Essa piteira de madrepérola. Você nem fumava.
- Cajate, mujer.
- E esse mau espanhol...
- No tengo que te dar explicaciones. Mis pantufas!
Luis Fernando Verissimo
..............................
(Ri, às gargalhadas, quando li essa crônica no jornal de domingo.
O Verissimo é ótimo! E ele tem razão: talvez se o meu nome fosse outro, eu fosse mais dura.
Queria que meu nome fosse difícil e duro; e que eu fosse como o nome.)
- Es para Oberon Frenegaz de Hoz e Malgavia de Soler e Pantajas.
Uma pausa e o arremate:
- Tercero.
- Sim senhor. Uma mesa para quantos?
- Dez. Estarei sozinho.
Sim, porque, com um nome assim, mesmo sozinho você é um cortejo.
O nome que escolhemos, ao contrário do nome que nos dão, revela a idéia que fazemos de nós mesmos e os projetos secretos que sempre tivemos para nossas vidas e o nome dado impedia. Quem escolhe se chamar Oberon é porque tem ambições de Oberon. Planos de Oberon. Que, obviamente, boas coisas não podem ser. Minha mulher não entenderia.
- Mas Luis Fernando...
- Oberon.
- Mas Oberon... Esse bigode. Essa piteira de madrepérola. Você nem fumava.
- Cajate, mujer.
- E esse mau espanhol...
- No tengo que te dar explicaciones. Mis pantufas!
Luis Fernando Verissimo
..............................
(Ri, às gargalhadas, quando li essa crônica no jornal de domingo.
O Verissimo é ótimo! E ele tem razão: talvez se o meu nome fosse outro, eu fosse mais dura.
Queria que meu nome fosse difícil e duro; e que eu fosse como o nome.)
sábado, 27 de junho de 2009
Babete
Baixou a Babete em mim: digo isso quando amanheço com o espírito de cozinhar, ou seja, afim de preparar mil comidas boas num dia só, como hoje.
Comidas que, modéstia à parte, eu sei fazer muito bem: uma torta de cebolas ou de frango (a preferida do Paulo); pães - os mais diversos, doces ou salgados, recheados ou não- ; a melhor ambrosia e o melhor arroz-doce do mundo; sopas; pizzas - com bordas e tudo! - e uns patês de grão-de-bico ou beringela; um simples arroz feito com alho e óleo em panela de ferro e batatas fritas saborosas.
Ou um pesto feito à mão, com manjericão que eu mesma planto em vasinhos esparramados pelo quintal.
(Num sábado desses, fui com o Felipe - outro amante da cozinha! - à Feira Ecológica da Redenção; compramos frutas, alguns legumes e temperos - e comemos bergamotas ao sol. Comprei, também, inhame (um tubérculo feio e sem graça) e fiz com ele, um pão tão dourado e brilhante, que parecia papel mache.)
Muitas vezes na vida me senti um pouco Babete, seduzindo todos com a minha comida. Mas diferente da Babete (do filme, e do livro de Karen Blixen), é surpreendente para mim a reação das pessoas frente à algumas comidas que preparo.
(Há pouco tempo o César me disse, com um pedaço de pizza à frente, que não existia lugar no mundo igual à minha cozinha. Tive que acreditar; ele recém havia chegado da Sardenha!)
Talvez mais do que a própria comida que é realmente boa, o ambiente à mesa, nessa cozinha tão simples, foi, inúmeras vezes uma verdadeira Festa de Babete.
Hoje, por exemplo, o almoço era "spaghetti al pesto" e sagú de vinho tinto com creme de baunilha: "un vero pranzo" à italiana. O molho pesto foi feito com manjericão fresco do meu quintal, isso não é novidade, mas as nozes - morram de inveja! - também são novissímas, direto de uma nogueira do alto Teresópolis: presente de um amigo, o Fernando, que mora por lá.
À noite foi a vez da cozinha alemã: sopa de batatas, de entrada, e torta de cebolas como único e mais do que suficiente, prato principal. E uma cerveja escura para completar.
Sinto, no entanto, falta de algumas pessoas: Babete não é mais a mesma.
..................................................................
foto: bolo de laranja e ambrosia, madri 2008.
Comidas que, modéstia à parte, eu sei fazer muito bem: uma torta de cebolas ou de frango (a preferida do Paulo); pães - os mais diversos, doces ou salgados, recheados ou não- ; a melhor ambrosia e o melhor arroz-doce do mundo; sopas; pizzas - com bordas e tudo! - e uns patês de grão-de-bico ou beringela; um simples arroz feito com alho e óleo em panela de ferro e batatas fritas saborosas.
Ou um pesto feito à mão, com manjericão que eu mesma planto em vasinhos esparramados pelo quintal.
(Num sábado desses, fui com o Felipe - outro amante da cozinha! - à Feira Ecológica da Redenção; compramos frutas, alguns legumes e temperos - e comemos bergamotas ao sol. Comprei, também, inhame (um tubérculo feio e sem graça) e fiz com ele, um pão tão dourado e brilhante, que parecia papel mache.)
Muitas vezes na vida me senti um pouco Babete, seduzindo todos com a minha comida. Mas diferente da Babete (do filme, e do livro de Karen Blixen), é surpreendente para mim a reação das pessoas frente à algumas comidas que preparo.
(Há pouco tempo o César me disse, com um pedaço de pizza à frente, que não existia lugar no mundo igual à minha cozinha. Tive que acreditar; ele recém havia chegado da Sardenha!)
Talvez mais do que a própria comida que é realmente boa, o ambiente à mesa, nessa cozinha tão simples, foi, inúmeras vezes uma verdadeira Festa de Babete.
Hoje, por exemplo, o almoço era "spaghetti al pesto" e sagú de vinho tinto com creme de baunilha: "un vero pranzo" à italiana. O molho pesto foi feito com manjericão fresco do meu quintal, isso não é novidade, mas as nozes - morram de inveja! - também são novissímas, direto de uma nogueira do alto Teresópolis: presente de um amigo, o Fernando, que mora por lá.
À noite foi a vez da cozinha alemã: sopa de batatas, de entrada, e torta de cebolas como único e mais do que suficiente, prato principal. E uma cerveja escura para completar.
Sinto, no entanto, falta de algumas pessoas: Babete não é mais a mesma.
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foto: bolo de laranja e ambrosia, madri 2008.
quarta-feira, 24 de junho de 2009
HISTÓRIAS
Minha namorada, cujos olhos têm propriedade para ver o que é do mundo (flor, estrela, muros), também sabe - e muito bem - contar histórias. E contando, ela ensina.
Ontem, à hora do almoço, aprendi que, às vezes, ignorar é melhor que saber, e que, ao contrário do ditado, há bens que vêm para o mal.
Sua avó que teve quinze filhos, enquanto pariu, nunca visitara um consultório médico. Um tio-avô analfabeto que ela tinha como pai era quem trazia à luz as pequenos Mancini.
Foi contrariando as estatísticas que seus rebentos nasceram e cresceram saudáveis. E assim ela também ia se mantendo.
Um dia, o útero tão solícito cansou. Aproveitando-se desse descuido, um pequeno tumor começou a trabalhar no seu ardiloso intento. Primeiro, uma dorzinha surgiu aqui, depois ali, até que a matrona, preocupada, decidiu ir consultar.
Dona Santa Eduvirgens, cujo nome nada tinha a ver com a quantidade de filhos que tivera, foi, pela primeira vez, à ginecologista.
A doutora, formada na Capital e especializada no exterior, após alguns exames e da melhor forma possível, deu-lhe a notícia:
- A senhora tem um câncer em estágio avançado, Dona Santa - falou com voz embargada. Depois, continuou: - Sinto muito! Não há o que fazer.
Em casa, minha avó viveu mais dois meses - contou-me Bárbara - e, de acordo com ela mesma, tudo porque tinha ido ao médico.
Paulo Cezar Dias Rodriguez - in Premiados 2001 (Concurso Literário Felippe D'Oliveira)
Ontem, à hora do almoço, aprendi que, às vezes, ignorar é melhor que saber, e que, ao contrário do ditado, há bens que vêm para o mal.
Sua avó que teve quinze filhos, enquanto pariu, nunca visitara um consultório médico. Um tio-avô analfabeto que ela tinha como pai era quem trazia à luz as pequenos Mancini.
Foi contrariando as estatísticas que seus rebentos nasceram e cresceram saudáveis. E assim ela também ia se mantendo.
Um dia, o útero tão solícito cansou. Aproveitando-se desse descuido, um pequeno tumor começou a trabalhar no seu ardiloso intento. Primeiro, uma dorzinha surgiu aqui, depois ali, até que a matrona, preocupada, decidiu ir consultar.
Dona Santa Eduvirgens, cujo nome nada tinha a ver com a quantidade de filhos que tivera, foi, pela primeira vez, à ginecologista.
A doutora, formada na Capital e especializada no exterior, após alguns exames e da melhor forma possível, deu-lhe a notícia:
- A senhora tem um câncer em estágio avançado, Dona Santa - falou com voz embargada. Depois, continuou: - Sinto muito! Não há o que fazer.
Em casa, minha avó viveu mais dois meses - contou-me Bárbara - e, de acordo com ela mesma, tudo porque tinha ido ao médico.
Paulo Cezar Dias Rodriguez - in Premiados 2001 (Concurso Literário Felippe D'Oliveira)
domingo, 21 de junho de 2009
Tiene el leopardo un abrigo
En su monte seco e pardo:
Yo tengo más que el leopardo,
Porque tengo un buen amigo.
Duerme, como en un juguete,
La mushma en su cojinete
De arce del Japón: yo digo:
"No hay cojín como un amigo."
Tiene el conde su abolengo:
Tiene la aurora el mendigo:
Tiene ala el ave: Iyo tengo
Allá en México un amigo!
Tiene el señor presidente
Un jardín con una fuente,
Y un tesoro en oro y trigo:
Tengo más, tengo un amigo.
José Martí, in Versos Sencillos
(... posso dizer que tenho bem mais que o leopardo, porque tenho, não só um amigo, tenho esses dois: Fernando e Felipe, que valem por um tesouro.)
Gracias, Fernando, pelas inesperados presentes de Cuba! E pelo teu carinho bem brasileiro.
Aos dois: pelas risadas, os vinhos, a comida, a música, os charutos e amizade.
En su monte seco e pardo:
Yo tengo más que el leopardo,
Porque tengo un buen amigo.
Duerme, como en un juguete,
La mushma en su cojinete
De arce del Japón: yo digo:
"No hay cojín como un amigo."
Tiene el conde su abolengo:
Tiene la aurora el mendigo:
Tiene ala el ave: Iyo tengo
Allá en México un amigo!
Tiene el señor presidente
Un jardín con una fuente,
Y un tesoro en oro y trigo:
Tengo más, tengo un amigo.
José Martí, in Versos Sencillos
(... posso dizer que tenho bem mais que o leopardo, porque tenho, não só um amigo, tenho esses dois: Fernando e Felipe, que valem por um tesouro.)
Gracias, Fernando, pelas inesperados presentes de Cuba! E pelo teu carinho bem brasileiro.
Aos dois: pelas risadas, os vinhos, a comida, a música, os charutos e amizade.
sábado, 20 de junho de 2009
quinta-feira, 18 de junho de 2009
the final cut
"tell me true tell me why was jesus crucified... "
Ouvi o "the final cut". Duas, três vezes.
Esse CD, quando ganhei, não conseguia parar de ouvi-lo. A música que eu sabia existir - não sabia aonde - estava ali! Para mim: como um amor que a gente sonha.
Depois li uma crônica, cujo nome, quase simplório: "Tatá, o bom", nem de longe levaria o leitor menos atento a pensar que se tratasse de um bom texto, se não fosse do Drummond. (Tatá era um homem de grande coração, que sofria ao perceber que a maldade existe.)
Por um descuido de Deus, existe.
E existe o Drummond e o Pink Floyd...
E o melhor disco do Pink Floyd (há treze anos eu diria o melhor do mundo): the final cut!
Ouvi o "the final cut". Duas, três vezes.
Esse CD, quando ganhei, não conseguia parar de ouvi-lo. A música que eu sabia existir - não sabia aonde - estava ali! Para mim: como um amor que a gente sonha.
Depois li uma crônica, cujo nome, quase simplório: "Tatá, o bom", nem de longe levaria o leitor menos atento a pensar que se tratasse de um bom texto, se não fosse do Drummond. (Tatá era um homem de grande coração, que sofria ao perceber que a maldade existe.)
Por um descuido de Deus, existe.
E existe o Drummond e o Pink Floyd...
E o melhor disco do Pink Floyd (há treze anos eu diria o melhor do mundo): the final cut!
quarta-feira, 17 de junho de 2009
cheiros de todo ano
na noite úmida e fria
se misturam pela minha casa
os cheiros da lenha
ardendo na lareira
e de figos verdes,
apurando, em calda,
no fogão.
(... digo, de todo ano, os cheiros, porque os figos
só se mantiveram verdes, congelados; próprios assim para a feitura do doce.)
........................................
foto: minha cozinha.
segunda-feira, 15 de junho de 2009
UM DIA, UM AMOR
JOÃO BRANDÃO pergunta, propõe e decreta:
Se há o Dia dos Namorados, por que não haver o Dia dos Amorosos, o Dia dos Amadores, o Dia dos Amantes? Com todo o fogo desta última palavra, que circula entre o carnal e o sublime?
E o Dia dos Amantes exemplares e o dia dos Amantes Platônicos, que também são exemplares à sua maneira, e dizem até que mais?
Por que não instituir, ó psicólogos, ó sociólogos, ó lojistas e publicitários, o Dia do Amor?
O Dia de Fazê-lo, o Dia de Agradecer-lhe, o de Meditá-lo em tudo que encerra de mistério e grandeza, o Dia de Amá-lo? Pois o Amor se desperdiça ou é incompreendido até por aqueles que amam e não sabem, pobrezinhos, como é essencial amar o Amor.
E mais o Dia do Amor Tranquilo, tão raro e vestido de linho alvo, o Dia do Amor Violento, o Dia do Amor Que Não Ousava Dizer o Seu Nome Mas Agora Ousa, na arrebentação geral do século?
Amor Complicado pede o seu Dia, não para tornar-se pedestre, mas para requintar em sua complicação cheia de vôos fora do horário e da visibilidade. Amor à Primeira Vista, o fulminante, bem que gostaria de ter o seu, cortado de relâmpagos. E há motivos de sobra para se estabelecer o Dia do Amor ao Próximo, e o Próximo somos nós, quando nos esquecemos de nós mesmos, abjurando o enfezadíssimo Amor-Próprio.
Depressa, amigos criadores de Dias, criai o do Amor Livre, entendido como tal o que desata as correntes do interesse imediato, da discriminação racial e econômica, ri das divisões políticas, das crenças separatórias, e planta o seu estandarte no cimo da cordilheira mais alta. Livre até no impulso egoístico da correspondência geométrica. Amor que nem a si mesmo se escraviza, na total doação que é converter-se no alvo, pois lá diz o que sabe: "Transforma-se o amador na coisa amada."
Haja também um Dia para o Amor Não Correspondido, em que ele se console e crie alento para perseverar, se esta é a sua condição fatal, melhor direi, a sua graça. Pois todo amor tem o seu ponto de luz, que às vezes se confunde com a sombra.
O Amor Impossível, exatamente por sua impossibilidade, merece a compensação de um Dia. Concederemos outro ao Amor Perfeito, que não precisa de mais, mergulhado que está na eternidade, a mover os sóis, independentemente da astrofísica. Ao Amor Imperfeito, síntese muito humana de tantos, retrato mal copiado do modelo divino, igualmente, se consagre um Dia generoso.
Amor à Glória não carece ter Dia, nem Amor ao Dinheiro e seu primo (ou irmão) Amor ao Poder. Eles se satisfazem, o primeiro com uma bolha de sabão, os outros dois com a mesa posta. Mas ao Amor faminto e sem talher, e ao que nenhuma iguaria lhe satisfaz, porque sua fome vai além dos alimentos e é a fome em si, a ansiosa procura do que não existe nem pode existir: um Dia para cada um.
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Carlos Drummond de Andrade - in O Poder Ultrajovem
(... eu, tinha um - feito de luz - que movia céus, terra, sóis: hoje, anda - apagado - irreconhecível, pelas ruas da cidade onde nasceu.)
Se há o Dia dos Namorados, por que não haver o Dia dos Amorosos, o Dia dos Amadores, o Dia dos Amantes? Com todo o fogo desta última palavra, que circula entre o carnal e o sublime?
E o Dia dos Amantes exemplares e o dia dos Amantes Platônicos, que também são exemplares à sua maneira, e dizem até que mais?
Por que não instituir, ó psicólogos, ó sociólogos, ó lojistas e publicitários, o Dia do Amor?
O Dia de Fazê-lo, o Dia de Agradecer-lhe, o de Meditá-lo em tudo que encerra de mistério e grandeza, o Dia de Amá-lo? Pois o Amor se desperdiça ou é incompreendido até por aqueles que amam e não sabem, pobrezinhos, como é essencial amar o Amor.
E mais o Dia do Amor Tranquilo, tão raro e vestido de linho alvo, o Dia do Amor Violento, o Dia do Amor Que Não Ousava Dizer o Seu Nome Mas Agora Ousa, na arrebentação geral do século?
Amor Complicado pede o seu Dia, não para tornar-se pedestre, mas para requintar em sua complicação cheia de vôos fora do horário e da visibilidade. Amor à Primeira Vista, o fulminante, bem que gostaria de ter o seu, cortado de relâmpagos. E há motivos de sobra para se estabelecer o Dia do Amor ao Próximo, e o Próximo somos nós, quando nos esquecemos de nós mesmos, abjurando o enfezadíssimo Amor-Próprio.
Depressa, amigos criadores de Dias, criai o do Amor Livre, entendido como tal o que desata as correntes do interesse imediato, da discriminação racial e econômica, ri das divisões políticas, das crenças separatórias, e planta o seu estandarte no cimo da cordilheira mais alta. Livre até no impulso egoístico da correspondência geométrica. Amor que nem a si mesmo se escraviza, na total doação que é converter-se no alvo, pois lá diz o que sabe: "Transforma-se o amador na coisa amada."
Haja também um Dia para o Amor Não Correspondido, em que ele se console e crie alento para perseverar, se esta é a sua condição fatal, melhor direi, a sua graça. Pois todo amor tem o seu ponto de luz, que às vezes se confunde com a sombra.
O Amor Impossível, exatamente por sua impossibilidade, merece a compensação de um Dia. Concederemos outro ao Amor Perfeito, que não precisa de mais, mergulhado que está na eternidade, a mover os sóis, independentemente da astrofísica. Ao Amor Imperfeito, síntese muito humana de tantos, retrato mal copiado do modelo divino, igualmente, se consagre um Dia generoso.
Amor à Glória não carece ter Dia, nem Amor ao Dinheiro e seu primo (ou irmão) Amor ao Poder. Eles se satisfazem, o primeiro com uma bolha de sabão, os outros dois com a mesa posta. Mas ao Amor faminto e sem talher, e ao que nenhuma iguaria lhe satisfaz, porque sua fome vai além dos alimentos e é a fome em si, a ansiosa procura do que não existe nem pode existir: um Dia para cada um.
.......................................................................................
Carlos Drummond de Andrade - in O Poder Ultrajovem
(... eu, tinha um - feito de luz - que movia céus, terra, sóis: hoje, anda - apagado - irreconhecível, pelas ruas da cidade onde nasceu.)
domingo, 14 de junho de 2009
madrugada ainda
com todo poder, toda graça
e sensualidade
De Jandira
Comecei
a ser Geni.
por um vinho, por um beijo
pela Alegria.
Bendita Geni.
...........................
(... àquele que aqueceu, esta noite,
o meu lado na cama)
e sensualidade
De Jandira
Comecei
a ser Geni.
por um vinho, por um beijo
pela Alegria.
Bendita Geni.
...........................
(... àquele que aqueceu, esta noite,
o meu lado na cama)
madrugada
bebo um vinho chileno
escuto a banda Bardo
tenho o maior amor do mundo
(e um fogo na lareira)
o que mais posso querer
escuto a banda Bardo
tenho o maior amor do mundo
(e um fogo na lareira)
o que mais posso querer
sábado, 13 de junho de 2009
Jandira
O mundo começava nos seios de Jandira.
Depois surgiram outras peças da criação:
Surgiram os cabelos para cobrir o corpo,
(Às vezes o braço esquerdo desaparecia no caos).
E surgiram os olhos para vigiar o resto do corpo.
E surgiram sereias da garganta de Jandira:
O ar inteirinho ficou rodeado de sons
Mais palpáveis do que pássaros.
E as antenas das mãos de Jandira
Captavam objetos animados, inanimados,
Dominavam a rosa, o peixe, a máquina.
E os mortos acordavam nos caminhos visíveis do ar
Quando Jandira penteava a cabeleira...
Depois o mundo desvendou-se completamente,
Foi-se levantando, armado de anúncios luminosos.
E Jandira apareceu inteiriça,
Da cabeça aos pés.
Todas as partes do corpo tinham importância.
E a moça apareceu com o cortejo do seu pai,
De sua mãe, de seus irmãos.
Eles é que obedecem aos sinais de Jandira
Crescendo na vida em graça, beleza, violência.
Os namorados passavam, cheiravam os seios de Jandira
E eram precipitados nas delícias do inferno.
Eles jogavam por causa de Jandira.
Deixavam noivas, esposas, mães
Por causa de Jandira.
E Jandira não tinha pedido coisa alguma.
E vieram retratos no jornal
E apareceram cadáveres boiando por causa de Jandira.
Certos namorados viviam e morriam
Por causa de um detalhe da boca de Jandira.
Um deles suicidou-se por causa da boca de Jandira.
Outro, por causa de uma pinta na face esquerda de Jandira.
E seus cabelos cresciam furiosamente com a força das máquinas;
Não caía nem um fio,
Nem ela os aparava.
E sua boca era um disco vermelho
Tal qual um sol mirim.
Em roda do cheiro de Jandira
A família andava tonta.
As visitas tropeçavam nas conversações
Por causa de Jandira.
E um padre na missa
Esqueceu de fazer o sinal da cruz por causa de Jandira.
E Jandira se casou.
E seu corpo inaugurou uma vida nova,
Apareceram ritmos que estavam de reserva,
Combinações de movimento entre as ancas e os seios.
À sombra do seu corpo nasceram quatro meninas que repetem
As formas e os sestros de Jandira desde o princípio do tempo.
E o marido de Jandira
Morreu na epidemia da gripe espanhola.
E Jandira cobriu a sepultura com os cabelos dela.
Desde o terceiro dia o marido
Fez um grande esforço para ressuscitar:
Não se conforma, no quarto escuro onde está,
Que Jandira viva sozinha,
Que os seios, a cabeleira dela transtornem a cidade
E que ele fique ali à toa.
Depois surgiram outras peças da criação:
Surgiram os cabelos para cobrir o corpo,
(Às vezes o braço esquerdo desaparecia no caos).
E surgiram os olhos para vigiar o resto do corpo.
E surgiram sereias da garganta de Jandira:
O ar inteirinho ficou rodeado de sons
Mais palpáveis do que pássaros.
E as antenas das mãos de Jandira
Captavam objetos animados, inanimados,
Dominavam a rosa, o peixe, a máquina.
E os mortos acordavam nos caminhos visíveis do ar
Quando Jandira penteava a cabeleira...
Depois o mundo desvendou-se completamente,
Foi-se levantando, armado de anúncios luminosos.
E Jandira apareceu inteiriça,
Da cabeça aos pés.
Todas as partes do corpo tinham importância.
E a moça apareceu com o cortejo do seu pai,
De sua mãe, de seus irmãos.
Eles é que obedecem aos sinais de Jandira
Crescendo na vida em graça, beleza, violência.
Os namorados passavam, cheiravam os seios de Jandira
E eram precipitados nas delícias do inferno.
Eles jogavam por causa de Jandira.
Deixavam noivas, esposas, mães
Por causa de Jandira.
E Jandira não tinha pedido coisa alguma.
E vieram retratos no jornal
E apareceram cadáveres boiando por causa de Jandira.
Certos namorados viviam e morriam
Por causa de um detalhe da boca de Jandira.
Um deles suicidou-se por causa da boca de Jandira.
Outro, por causa de uma pinta na face esquerda de Jandira.
E seus cabelos cresciam furiosamente com a força das máquinas;
Não caía nem um fio,
Nem ela os aparava.
E sua boca era um disco vermelho
Tal qual um sol mirim.
Em roda do cheiro de Jandira
A família andava tonta.
As visitas tropeçavam nas conversações
Por causa de Jandira.
E um padre na missa
Esqueceu de fazer o sinal da cruz por causa de Jandira.
E Jandira se casou.
E seu corpo inaugurou uma vida nova,
Apareceram ritmos que estavam de reserva,
Combinações de movimento entre as ancas e os seios.
À sombra do seu corpo nasceram quatro meninas que repetem
As formas e os sestros de Jandira desde o princípio do tempo.
E o marido de Jandira
Morreu na epidemia da gripe espanhola.
E Jandira cobriu a sepultura com os cabelos dela.
Desde o terceiro dia o marido
Fez um grande esforço para ressuscitar:
Não se conforma, no quarto escuro onde está,
Que Jandira viva sozinha,
Que os seios, a cabeleira dela transtornem a cidade
E que ele fique ali à toa.
E as filhas de Jandira
Inda parecem mais velhas do que ela.
E Jandira não morre,
Espera que os clarins do juízo final
Venham chamar seu corpo,
Mas eles não vêm.
E, mesmo que venham, o corpo e Jandira
Ressuscitará inda mais belo, mais ágil e transparente.
(Murilo Mendes)
(... hoje a pessoa que eu mais quis, me disse: "tu é Jandira")
(Murilo Mendes)
(... hoje a pessoa que eu mais quis, me disse: "tu é Jandira")
sexta-feira, 12 de junho de 2009
"Ode a Apolo"
"Estávamos a discutir a sobrestimação da personalidade entre amantes e ela pensava que fôra Vitor Hugo quem dissera que o amor é a maior coisa do mundo, porque faz de um faxineiro de mercearia um anjo ou um deus.Ela continuou; - Só temos uma fé cega na humanidade quando estamos apaixonados; então tudo é perfeito, tudo é belo... tudo é tão poèticamente irreal. Mesmo assim, é uma experiência maravilhosa; vale a pena tê-la, apesar das terríveis desilusões que geralmente se lhe seguem. Põem-nos ao nível dos deuses e incita-nos a toda espécie de atividades artísticas. Tornamo-nos verdadeiros poetas: não só memorizamos e recitamos poesias mas, muitas vêzes, nós próprios nos tornamos apolos. - Depois, citou os versos acima indicados."
Sigmund Freud - in Psicopatologia da Vida Cotidiana
(fragmento de conversa entre Freud e uma jovem professora; a propósito de se pensar que a pessoa amada é um deus)
Sigmund Freud - in Psicopatologia da Vida Cotidiana
(fragmento de conversa entre Freud e uma jovem professora; a propósito de se pensar que a pessoa amada é um deus)
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